domingo, 4 de fevereiro de 2018

A APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA PRECAUÇÃO NO RESGUARDO E NA BUSCA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: CASO PRÁTICO DA USINA HIDRELÉTRICA BARRA GRANDE EM PINHAL DA SERRA/RS





A aplicação do principio da precaução no resguardo e na busca do desenvolvimento sustentável: caso prático da Usina Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS

The application of the precautionary principle in the protection and search for sustainable development: a practical case of the Barra Grande Hydroelectric Power Plant in Pinhal da Serra / RS

Rubiane Galiotto[1]
Gabriel da Silva Danieli[2]
Aulus Eduardo Teixeira de Souza[3]

Resumo: A busca pelo desenvolvimento de maneira sustentável é palco de grandes discussões na atualidade. Para a efetivação deste objetivo, o princípio da precaução adota medidas capazes de gerir riscos ainda que diante da incerteza científica de sua concretização. O objetivo do artigo é analisar o uso do princípio da precaução para que se alcance o desenvolvimento sustentável no caso prático da Usina Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS. O método do trabalho é qualitativo com a revisão de literatura sobre o tema, promovendo-se um levantamento de fontes bibliográficas com posterior seleção e investigação dos aspectos que permitam visualizar o problema de pesquisa analisado. Como resultado, nota-se que o principio da precaução é essencial para que se alcance um desenvolvimento sustentável ante os riscos e o crescimento econômico desmedido que é vislumbrado na atualidade. Quando se prioriza outros interesses, como é o caso da construção da Usina Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS, o desenvolvimento sustentável passa a ser apenas uma falácia presente nos livros didáticos.



Palavras-chave: meio ambiente; desenvolvimento sustentável; princípio da precaução; Usina Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS;



Abstract: The search for development in a sustainable way is the scene of great discussions at the present time. In order to achieve this objective, the precautionary principle adopts measures capable of managing risks, even in the face of the scientific uncertainty of its implementation. The objective of this article is to analyze the use of the precautionary principle to achieve sustainable development in the practical case of the Barra Grande Hydroelectric Power Plant in Pinhal da Serra / RS. The method of the work is qualitative with the review of literature on the subject, promoting a survey of bibliographic sources with subsequent selection and investigation of the aspects that allow to visualize the analyzed research problem. As a result, it should be noted that the precautionary principle is essential if sustainable development is to be achieved in the face of the risks and the unbridled economic growth that is currently envisaged. When prioritizing other interests, such as the construction of the Barra Grande Hydroelectric Power Plant in Pinhal da Serra / RS, sustainable development is only a fallacy in textbooks.

  
Keywords: environment; sustainable development; precautionary principle; Barra Grande Hydroelectric Power Plant in Pinhal da Serra / RS;

1. Introdução


Nos dias atuais, muitas são as necessidades humanas cujas máquinas e indústrias trabalham incessantemente para suprir. A cada dia que passa mais necessidades são criadas e a utilização dos recursos naturais finitos é aumentada, sempre com a promessa do necessário avanço tecnológico constante.
A realização de empreendimentos gigantescos em prol do bem comum de um grande grupo é cada vez mais visualizada. A construção de usinas hidrelétricas como a Usina de Barra Grande reflete bem esta realidade. Em busca de um alegado bem maior, com a promessa do avanço tecnológico e o aumento da capacidade de produção de energia elétrica, a Usina foi construída entre as cidades de Pinhal da Serra/RS e Anita Garibaldi/SC.
Em uma sociedade que prima cada vez mais pelo progresso, a busca pelo desenvolvimento de maneira sustentável parece ser a exceção, em que pese devesse ser a regra. Conciliar o trinômio social, econômico e ambiental em empreendimentos como o aqui analisado é uma missão difícil de ser alcançada.
Para a sua efetivação, o princípio da precaução assume papel relevante, com a análise e abordagem dos riscos que não possuem comprovação científica, mas que devem ser levados em consideração com intuito de priorizar sempre o meio ambiente em detrimento do avanço tecnológico desmedido. O questionamento neste trabalho destina-se a analisar a relação existente entre o princípio da precaução e a implementação do desenvolvimento sustentável no caso prático em comento.
O método do trabalho é qualitativo com a revisão de literatura sobre o tema, promovendo-se um levantamento de fontes bibliográficas com posterior seleção e investigação dos aspectos que permitem visualizar o problema de pesquisa analisado.
O trabalho será elaborado com a análise do princípio da precaução, vislumbrando a sua origem, fundamentos e aplicabilidade. Posteriormente abordar-se-á o desenvolvimento sustentável como princípio e premissa a ser seguida e a aplicação prática dos referidos institutos no caso prático da Usina Hidrelétrica Barra Grande, com o intuito de analisar se o empreendimento buscou um desenvolvimento sustentável e capaz de resguardar o princípio da precaução de maneira efetiva. 


2. A busca pelo desenvolvimento sustentável

         Diante do panorama social, vive-se o dilema de como conciliar o desenvolvimento com a proteção ambiental. Isso porque, nas décadas que precederam a situação atual, ao crescimento era atribuída uma visão otimista de que o avanço econômico era o milagre criador do progresso e da qualidade de vida. Hoje, tem-se que o avanço econômico deve caminhar de braços dados com a ideia de sustentabilidade, eis que o progresso desmedido geraria um grave problema aos recursos ambientais, que são finitos.
Para que se avalie a busca por um desenvolvimento sustentável no caso prático da Usina de Barra Grande, é preciso que se compreenda o conceito da temática em análise.
            O delineamento da ideia de desenvolvimento sustentável começou a ser traçado em 1987 com o Relatório Nosso Futuro Comum, quando um conceito eminentemente político e visto como “amplo para o progresso econômico e social[4]” foi lançado.
            O conceito criado na época abordou de maneira genérica a ideia de desenvolvimento sustentável, fazendo com que o discurso de sustentabilidade levasse a uma luta contra o crescimento econômico desmedido sem uma “justificação rigorosa da capacidade do sistema econômico de internalizar as condições ecológicas e sociais (de sustentabilidade, equidade, justiça e democracia) deste processo [...][5]”. Apesar disso, o conceito de desenvolvimento sustentável foi absorvido pelas legislações internas de vários países, possibilitando assim uma nova etapa na busca da preservação ambiental.
            Esta busca pelo desenvolvimento, não apenas econômico, mas visto de maneira sustentável, é definida pelo autor Amartya Sen[6] quando diz: “O desenvolvimento é a expressão da própria liberdade do indivíduo. Por isso, ele deve resultar na eliminação da privação de liberdades substantivas, como bens sociais básicos: alimentação, educação, água tratada, saneamento básico e qualidade do ambiente.” Desta forma, não se trata de priorizar apenas o progresso, mas de considerar como ponto relevante a sustentabilidade sob seus diversos aspectos.    
A abordagem dos autores Tiago Fensterseifer e Ingo Wolfgan Sarlet[7] corrobora esta ideia quando afirmam que o conceito de desenvolvimento sustentável vai mais além de uma mera harmonização entre a economia e a ecologia, incluindo valores morais relacionados à solidariedade, o que indica o estabelecimento de uma nova ordem de valores que devem conduzir à ordem econômica rumo a uma produção social e ambientalmente compatível com a dignidade de todos os integrantes da comunidade político-estatal.
Assim, a ideia de desenvolvimento sustentável busca a evolução do pensamento antropocêntrico para o biocêntrico, de forma que a defesa do meio ambiente prevaleça em detrimento de outros interesses. Sobre isso, Lunelli[8] afirma que não basta que existam leis que preservem o meio ambiente, mas que estas sejam interpretadas de forma a primar pelo bem ambiental e não por interesses econômicos de instituições públicas ou privadas.
Logo, não se pretende a inviabilização de atividades econômicas que geram o progresso, mas sim, analisar se a forma como é conduzido o empreendimento atende aos preceitos de desenvolvimento sustentável.
Na análise, é preciso considerar a tríade que compõe o princípio: “dimensão econômica (permitir o crescimento econômico), social (garantir a qualidade de vida) e a ambiental (preservar a natureza)[9]”. Nota-se que as três dimensões precisam andar juntas e de maneira harmônica, de forma que o princípio tenha efetividade. Quando uma das dimensões se sobrepuser às demais, não há que se falar em aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável.
Sobre isso, corrobora o entendimento de José Eli da Veiga[10] quando diz que as três dimensões devem ser consideradas de forma que se busque uma solução triplamente vencedora (isto é, em termos sociais, econômicos e ecológicos). Desta forma, eliminar-se-ia o crescimento selvagem obtido por meio de elevadas externalidades negativas, sejam sociais ou ambientais.
Para que o desenvolvimento sustentável seja efetivo nos moldes citados, é preciso que a preservação das dimensões social e ambiental seja resguardada com base em alguns princípios ambientais. Para que se tente verificar         externalidades negativas iminentes ou possíveis, o uso do princípio da precaução revela-se essencial. 


3. O Princípio da Precaução como balizador dos empreendimentos de grande monta


Para que se analise a efetividade da busca pelo desenvolvimento sustentável é preciso observar a utilização do princípio da precaução e verificar qual a sua importância no ordenamento jurídico. Por ser classificado como princípio, desempenha um papel fundamental no resguardo de direitos e pode ser classificado de maneira ampla como geral de direito e em princípio do ordenamento[11]. O autor Francisco Amaral[12] afirma que “os princípios jurídicos são pensamentos diretores de uma regulação jurídica”. 
No entanto, existem outros posicionamentos mais abrangentes considerando os princípios como a base de toda a normatização e, justamente por isso, estão acima do ordenamento jurídico, servindo para ele de fontes externa e interna[13].
Há, portanto, diferenciações dentro dos próprios princípios que influenciam inclusive na aplicabilidade fática de cada postulado. Tratando especificamente do princípio da precaução, sua ideia de conduta prudente para evitar os riscos é fruto do medo e da insegurança que sempre rondaram a sociedade. Medidas preventivas eram tomadas de forma intuitiva e sem uma consciência real dos danos concretos que a ausência da precaução geraria.
O surgimento do princípio deu-se com o objetivo precípuo de proteção do bem ambiental. Em debates internacionais visando à proteção ambiental o principio já era colocado em voga e foi aposto de forma expressa em 1987 durante a Conferência sobre o Mar do Norte. Pode-se afirmar que hoje a precaução é “racional, científica, tecnológica e jurídica”[14] e conta com mecanismos mais detalhados de proteção.
Em que pese isso, o marco oficial do princípio acontece em 1992 com a Declaração do Rio de Janeiro – Eco-92[15], onde ele ganha força e passa a ser aplicado e analisado no direito ambiental e em demais âmbitos como um direito sanitário e alimentar. O referido documento dispõe:

Princípio 15 - Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.


O princípio surge no direito ambiental como uma ideia de prudência no agir humano, tendo em vista os novos riscos que surgem na sociedade contemporânea. A falta de fundamentação científica e as incertezas que surgem não restam sem amparo jurídico na seara ambiental. A fundamentação do principio é situada na responsabilidade pelo futuro para com as gerações vindouras e uma forma racional de proteção, mesmo diante da ausência de certezas científicas[16].
A ideia basilar deste princípio está centrada, portanto, no objetivo de evitar que os riscos se transformem em perigos concretos e gerem danos. A análise dos riscos existentes e a aplicação de diretrizes de forma a evitar efeitos negativos faz com que o princípio tenha lugar importante no ordenamento jurídico. Isso porque sua aplicação em conjunto com princípios da razoabilidade e proporcionalidade faz com que haja a real ponderação entre a precaução, a paz social e a livre iniciativa diante de inovações tecnológicas.
O princípio pode ser utilizado ainda de forma que faça oposição ao risco existente, primando sempre pela proteção do bem ambiental. A ideia de oposição ao risco é apontada por José Cretella Neto[17] quando ele diz que:

O princípio da precaução (precautionary principle) baseia-se na ideia de que qualquer incerteza deve ser interpretada com vistas à adoção de determinada medida de salvaguarda. Segundo esse princípio, a mera cogitação da existência de algum risco potencial à saúde ou ao meio ambiente, ainda que não suficientemente confirmado de forma científica, justifica a adoção de medidas que evitem o dano temido.
           
Esta oposição ao risco com a precaução gera diversas posições doutrinárias no campo da aplicação deste principio. Isso porque a aplicação de gerenciamento de riscos de algo incerto pode gerar posicionamentos radicais como a busca pela eliminação total do risco com medidas precaucionais.
É notório que a eliminação do progresso de maneira totalitária é algo impensável e inatingível. Tem-se, porém que buscar um desenvolvimento racional e que proteja o meio ambiente de maneira aceitável, transformando-se assim na busca pelo desenvolvimento sustentável.
Neste sentido, Clóvis E. M. da Silveira[18] define que “a ideia de ‘precaução’ inovou com relação à ‘simples’ prevenção (ou seja, prevenção de danos futuros conhecidos, comprovados e mensuráveis), porque impõe agir com cautela também diante daquelas circunstâncias pouco conhecidas, difíceis  de mensurar e comprovar [...]”.
A aplicação deste princípio deve ser ponderada e implementada sempre levando em consideração os custos sociais e os riscos e benefícios de sua utilização. A ponderação entre a busca de proteção e o desconhecimento dos reais impactos que uma atividade pode causar é o ponto de destaque nesta análise.
O objetivo do princípio portanto não é inviabilizar nenhuma atividade econômica, nem fazer com que o Estado use o princípio como justificativa para barrar atividades de empresas, mas sim, fazer com que o desenvolvimento seja acompanhado da sustentabilidade do meio ambiente que o rodeia.
Nota-se que nem todos os possíveis danos são comprovados cientificamente, seja por falta de técnicas avançadas para tanto, seja por outros motivos escusos. Sobre a falta de comprovação científica, Isabelle[19] afirma que o risco que é detectado só considera o que pode gerar danos aos que se beneficiam do direito de empreender e gerar o progresso. Desta forma, há danos que não são identificados de maneira científica, mas são tão ou mais graves que os capitulados.
O princípio da precaução deve atuar no gerenciamento destes riscos que ainda estão permeados pela incerteza, seja qual for a motivação disso, e, portanto, não é possível saber se tornar-se-ão efetivamente um perigo concreto e posteriormente um dano, ou permanecerão no campo das especulações.
A preocupação é a de que, caso se tornem efetivos, os danos gerados por um risco potencial podem ter consequências irreversíveis e tão prejudiciais ao meio ambiente que as presentes e futuras gerações sentirão as consequências. 


4. O caso prático: Usina Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS

 

Não se pretendem neste breve artigo apenas conclusões demasiadamente elaboradas sobre o tema, ante a complexidade do assunto aqui abordado.  Mas diante do caso prático escolhido, nota-se que a Usina Hidrelétrica Barra Grande é uma imponente construção feita na região nordeste do Rio Grande do Sul. O empreendimento está situado na cidade de Pinhal da Serra/RS e faz parte da microrregião de Vacaria, fazendo parte, assim, da região nordeste do Rio Grande do Sul/RS.
O empreendimento foi erguido com o objetivo de geração de energia elétrica para o avanço econômico na região. Construída no leito do rio Pelotas, entre os municípios de Anita Garibaldi/SC e Pinhal da Serra/RS, a Usina entrou em operação no dia 1º de novembro de 2005. Sua potência instalada é 690 megawatts, quantidade suficiente para atender ao equivalente a 24% da demanda catarinense ou a 18% do total de energia consumida no Rio Grande do Sul[20].
O reservatório utilizado pela usina abrange uma área com 95 quilômetros quadrados, ocupando parcialmente terras de nove municípios: Anita Garibaldi, Cerro Negro, Campo Belo do Sul, Capão Alto e Lages, em Santa Catarina; e Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria e Bom Jesus, no Rio Grande do Sul. Para a construção da usina, foram necessários cinquenta e dois meses com o trabalho de cinco mil pessoas. [21]
Diante do tamanho do empreendimento e de sua importância para o desenvolvimento da região, a necessidade de análise do caráter da sustentabilidade da Usina revela-se indispensável.
O problema central encontra-se no fato de que a área inundada pelo reservatório da usina compreende uma grande quantidade de Mata Atlântica. Segundo Miriam Prochnow[22], especialista em ecologia aplicada, coordenadora geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica - RMA e presidente da Apremavi, a área inundada abrange cerca de 8.140 hectares, sendo que 90% desta área é recoberta por floresta primária, com diferentes estágios de regeneração e por campos naturais. Pior que isso, na área atingida encontra-se um fragmento da Floresta Ombrófila Mista do Estado de Santa Catarina, cujas araucárias foram identificadas com altos índices de viabilidade genética já verificado no ecossistema.
            Diante do panorama dado, nota-se que problemas no licenciamento do empreendimento iniciaram-se ainda em 1998, com a omissão de dados quanto à floresta de araucárias que se situava no local. Para a liberação do licenciamento, omitiu-se a informação de que no local havia um “raro fragmento da floresta de araucária com altos índices de diversidade genética[23]”.
            Se por um lado a empresa omitiu a informação no EIA/RIMA, por outro o IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis não verificou a inconsistência da informação, liberando, assim, a licença para funcionamento.
            Ademais, o licenciamento ambiental de instalação da obra foi feito pelo IBAMA já com a vigência da Resolução 278 do CONAMA, que prevê a preservação das espécies ameadas de extinção.
            Foi apenas na liberação da licença de operação que o IBAMA verificou a existência de uma das últimas áreas primárias de araucária no Brasil. Neste ponto, o muro da represa já estava praticamente concluído, quando a Baesa – consórcio formado pelo grupo Votorantin, Bradesco, Camargo Corrêa, Alcoa e CPFL – pediu ao Ibama a emissão da Licença de Operação (LO) para o enchimento do reservatório.[24]
Diante do cenário dado, a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses e a Rede de ONGs da Mata Atlântica impetraram, em setembro de 2004, uma ação civil pública[25] na Justiça Federal de Florianópolis/SC na tentativa de reverter esta absurda situação.
            Apesar da verificação da fraude no EIA/RIMA, “o IBAMA autorizou, dia 17 de setembro, o desmatamento da floresta, alegando que não é de interesse público paralisar uma obra em estágio final de conclusão”[26]. Foi firmado um Termo de Compromisso com a Baesa para que a empresa comprasse “uma área de 5.700 hectares para constituição de uma reserva ambiental, além de formar um banco de germoplasma para a preservação dos recursos genéticos específicos da floresta nativa que será alagada[27]”.
            Sem adentrar na discussão judicial da demanda, em apertada análise da situação da Usina de Barra Grande, nota-se que a região inundada abarcava uma importante região de flores de araucárias.   
Estava-se diante de um caso que envolvia o cerne do binômio avanço econômico e preservação do meio ambiente. Porém, o que se tinha era de um lado a construção de uma grande obra de infraestrutura, destinada a alavancar investimentos de grandes grupos empresariais privados, demonstrando o progresso, e de outro a destruição de um dos mais importantes remanescentes de um dos ecossistemas mais ameaçados do país[28].
            O risco decorrente da inundação de uma grande área, destruindo araucárias que foram identificadas com altos índices de viabilidade genética, demonstra que medidas precaucionais não foram tomadas no caso concreto. A ideia de desenvolvimento sustentável foi deixada de lado em prol do avanço econômico que não pode parar. Prioriza-se o progresso em detrimento do meio ambiente sem que ao menos se perceba que aquele não é viável em longo prazo sem este.

5. Considerações Finais

 A vida em sociedade nos tempos modernos desencadeia uma constante busca pelo desenvolvimento e inovação. Não é novidade a difícil tarefa de buscar o equilíbrio entre o avanço tecnológico desenfreado e a proteção dos recursos naturais do planeta. Permeado pelo binômio avanço tecnológico/meio ambiente preservado, empreendimentos de grande monta são cruciais para que o desenvolvimento sustentável ganhe notoriedade e aplicabilidade.
A construção de grandes obras como usinas hidrelétricas afeta de maneira importante o meio ambiente e, se conduzida de maneira a priorizar a importância econômica do empreendimento, pode se mostrar catastrófica para a natureza.
Justamente por isso a ideia de desenvolvimento sustentável foi criada para tentar balizar obras como o caso prático analisado, de forma que o avanço aconteça, mas sem desconsiderar o meio ambiente.
Para tanto, o uso do princípio da precaução na busca pelo desenvolvimento sustentável demonstra que não é preciso analisar apenas os perigos concretos de danos, mas também aqueles sob os quais a ciência não debruçou-se de maneira efetiva ou não possui mecanismos para tanto.
O resguardo do bem ambiental para um desenvolvimento sustentável perpassa a ideia de precaução quando os riscos gerados por um empreendimento como a Usina Hidrelétrica Barra Grande podem causar danos de grande monta e irreversíveis.
No caso prático, revelam-se inaceitáveis as falhas no licenciamento do empreendimento, desconsiderando por completo a floresta de araucárias que foram identificadas com altos índices de viabilidade genética e habitavam o local. Apesar de tardiamente constatadas de maneira oficial, o empreendimento seguiu em prol do avanço econômico, não sendo possível calcular os prejuízos gerados com a construção da usina naquele local.
Após as breves pinceladas teóricas sobre os institutos da precaução e do desenvolvimento sustentável, nota-se que o processo de construção e funcionamento da Usina Hidrelétrica Barra Grande foi permeado por problemas de toda ordem.
Em que pese indispensável, a análise dos riscos e medidas precaucionais não foram efetivadas da maneira esperada, primando pelo avanço tecnológico em detrimento do desenvolvimento sustentável. O empreendimento não buscou um desenvolvimento sustentável e capaz de resguardar o princípio da precaução de maneira efetiva.
As dimensões muitas vezes globais dos riscos demonstram que não se trata do gerenciamento de potenciais reveses a pequenas populações, mas do planeta todo e todas as suas formas de vida que são colocadas em risco diariamente na sociedade contemporânea. É preciso precaução para que não se tenha que lidar com danos irreversíveis e de grandes proporções que atinjam não apenas o presente, mas futuras gerações pela ânsia atual do avanço tecnológico.
A pesquisa feita neste trabalho merece aprofundamento no estudo da utilização do princípio da precaução no que diz respeito aos danos gerados na construção da Usina Hidrelétrica Barra Grande. Desta forma, nota-se que a teoria assegura que o desenvolvimento sustentável deve ocorrer de forma que o progresso não seja barrado e nem o meio ambiente esgotado.
Contudo, lamentavelmente, pelo contrário, o que se percebe são jogos de interesses escusos onde o meio ambiente acaba sendo sempre o mais atingido.

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[1] Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul/RS. Especialista em Direito Público pelo programa de pós graduação em direito convênio Universidade de Caxias do Sul – Escola Superior da Magistratura Federal – ESMAFE/RS. Servidora Pública do Município de Caxias do Sul. Advogada. Conciliadora Cível na Comarca de Flores da Cunha/RS. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4723808454178892. E-mail: rubianegaliotto@gmail.com
[2] Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul/RS. Advogado. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7083546133472274. E-mail: gsdanieli@ucs.br.
[3] Mestrando em direito pela Universidade de Caxias do Sul. Advogado. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5138326964068427. E- mail: Aulus.sc@gmail.com.
[4] VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 113.
[5] LEFF, Enrique. Saber Ambiental, 8ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p. 19-21.
[6] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 2002, p. 18.
[7] SARLET, Ingo Wolfgang; FEBSTERSEIFER, Tiago. Princípios do direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 95.
[8] LUNELLI, Carlos Alberto. “Por um novo paradigma processual nas ações destinadas à proteção do bem ambiental: a contribuição do contempt of court”. In: LUNELLI, Carlos Alberto; MARIN, Jeferson Dytz (Org.). Estado, meio ambiente e jurisdição. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2012.
[9] FERRE, Fabiano Lira; CARVALHO, Márcio Mamede Bastos de; STEINMENTZ, Wilson. “O conceito jurídico do princípio do desenvolvimento sustentável no ordenamento jurídico brasileiro: por um conceito adequado e operativo”. In: RECH, Adir Ubaldo; MARIN, Jeferson; AUGUSTIN, Sérgio (Org.). Direito Ambiental e SociedadeCaxias do Sul, RS: EDUCS, 2015, p. 92.
[10] VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 93.
[11] AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 72.
[12]  AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 92.
[13] ALPA, Guido. I Principi Generali. Milano: Giuffrè, 1993, p. 6 e 7
[14] LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da Precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 97.
[15] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <file:///C:/Users/User/Desktop/declaracao-do-rio.pdf>. Acesso em: 26 de maio de 2017.
[16] ARAGUÃO, Alexandra. Princípio da precaução: manual de instruções. Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do urbanismos e do Ambiente. Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Ano XI, n. 22, 02.2008, p. 15.
[17] CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização mundial do comércio – OMC. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 224.
[18] SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. O princípio da precaução como critério de avaliação de processos decisórios e políticas públicas ambientais. Revista Internacional de Direito Ambiental. Ano II. N. 5. Maio/ago 2013. Caxias do Sul: Plenum, 2013, p. 32.
[19] STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes – resistir à barbárie que se aproxima. Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2015, p. 55.
[20]Usina Hidrelétrica Barra Grande. Disponível em: <http://www.baesa.com.br/baesa/categoria.php?&cod_modulo=1&cod_categoria=1>. Acesso em: 07 set. 2017.
[21]Usina Hidrelétrica Barra Grande. Disponível em: <http://www.baesa.com.br/baesa/categoria.php?&cod_modulo=1&cod_categoria=1>. Acesso em: 07 set. 2017
[22] PROCHNOW, Miriam. A importância da floresta do vale do rio Pelotas. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul: APREMAVI, 2005, p.6.
[23] PROCHNOW, Miriam. A importância da floresta do vale do rio Pelotas. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a florestaRio do Sul: APREMAVI, 2005, p. 7.
[24] ZEN, Eduardo Luiz. Fraude garante licença para hidrelétrica. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a florestaRio do Sul: APREMAVI, 2005, p. 33.
[25] BRASIL. Juízo Federal da 6ª VF de Florianópolis, Ação Civil Pública nº 5003502-55.2011.4.04.7200. Autores: Rede de Organizações não governamentais da Mata Atlântica Associação de proteção ao meio ambiente de Cianorte - APROMAC e Associação de Preservação do Meio Ambiente e Vida. Réu: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e outros. Julgador: Marcelo Krás Borges. Florianópolis, 19 de março de 2010. Disponível em: < https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtValor=50035025520114047200&selOrigem=SC&chkMostrarBaixados=S&todasfases=S&selForma=NU&todaspartes=&hdnRefId=9bf922a5ac9803676b60d1d0b6ce9f3c&txtPalavraGerada=DpfZ&txtChave= > . Acesso em: 07 set. 2017.
[26] ZEN, Eduardo Luiz. Fraude garante licença para hidrelétrica. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a florestaRio do Sul: APREMAVI, 2005, p. 33.
[27] ZEN, Eduardo Luiz. Fraude garante licença para hidrelétrica. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a florestaRio do Sul: APREMAVI, 2005, p. 33.
[28] VALLE, Raul Silva do. O caso Barra Grande: lições sobre o (não) funcionamento do Estado de Direito no Brasil. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a florestaRio do Sul: APREMAVI, 2005, p. 15.

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