A aplicação do principio da
precaução no resguardo e na busca do desenvolvimento sustentável: caso prático
da Usina Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS
The application of the
precautionary principle in the protection and search for sustainable
development: a practical case of the Barra Grande Hydroelectric Power Plant in
Pinhal da Serra / RS
Rubiane Galiotto[1]
Gabriel da Silva Danieli[2]
Aulus Eduardo Teixeira de Souza[3]
Resumo: A busca pelo desenvolvimento de maneira sustentável é
palco de grandes discussões na atualidade. Para a efetivação deste objetivo, o
princípio da precaução adota medidas capazes de gerir riscos ainda que diante
da incerteza científica de sua concretização. O objetivo do artigo é analisar o
uso do princípio da precaução para que se alcance o desenvolvimento sustentável
no caso prático da Usina Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS. O
método do trabalho é qualitativo com a revisão de literatura sobre o tema,
promovendo-se um levantamento de fontes bibliográficas com posterior seleção e
investigação dos aspectos que permitam visualizar o problema de pesquisa
analisado. Como resultado, nota-se que o principio da precaução é essencial
para que se alcance um desenvolvimento sustentável ante os riscos e o
crescimento econômico desmedido que é vislumbrado na atualidade. Quando se
prioriza outros interesses, como é o caso da construção da Usina Hidrelétrica
Barra Grande em Pinhal da Serra/RS, o desenvolvimento sustentável passa a ser
apenas uma falácia presente nos livros didáticos.
Palavras-chave: meio
ambiente; desenvolvimento sustentável; princípio da precaução; Usina
Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS;
Abstract: The search for development in a sustainable way
is the scene of great discussions at the present time. In order to achieve this
objective, the precautionary principle adopts measures capable of managing
risks, even in the face of the scientific uncertainty of its implementation.
The objective of this article is to analyze the use of the precautionary
principle to achieve sustainable development in the practical case of the Barra
Grande Hydroelectric Power Plant in Pinhal da Serra / RS. The method of the
work is qualitative with the review of literature on the subject, promoting a
survey of bibliographic sources with subsequent selection and investigation of
the aspects that allow to visualize the analyzed research problem. As a result,
it should be noted that the precautionary principle is essential if sustainable
development is to be achieved in the face of the risks and the unbridled
economic growth that is currently envisaged. When prioritizing other interests,
such as the construction of the Barra Grande Hydroelectric Power Plant in
Pinhal da Serra / RS, sustainable development is only a fallacy in textbooks.
Keywords:
environment; sustainable development; precautionary principle; Barra
Grande Hydroelectric Power Plant in Pinhal da Serra / RS;
1. Introdução
Nos dias atuais, muitas são as necessidades humanas cujas máquinas
e indústrias trabalham incessantemente para suprir. A cada dia que passa mais
necessidades são criadas e a utilização dos recursos naturais finitos é
aumentada, sempre com a promessa do necessário avanço tecnológico constante.
A realização de empreendimentos gigantescos em prol do bem comum
de um grande grupo é cada vez mais visualizada. A construção de usinas
hidrelétricas como a Usina de Barra Grande reflete bem esta realidade. Em busca
de um alegado bem maior, com a promessa do avanço tecnológico e o aumento da
capacidade de produção de energia elétrica, a Usina foi construída entre as
cidades de Pinhal da Serra/RS e Anita Garibaldi/SC.
Em uma sociedade que prima cada vez mais pelo progresso, a busca
pelo desenvolvimento de maneira sustentável parece ser a exceção, em que pese
devesse ser a regra. Conciliar o trinômio social, econômico e ambiental em
empreendimentos como o aqui analisado é uma missão difícil de ser alcançada.
Para a sua efetivação, o princípio da precaução assume papel
relevante, com a análise e abordagem dos riscos que não possuem comprovação
científica, mas que devem ser levados em consideração com intuito de priorizar
sempre o meio ambiente em detrimento do avanço tecnológico desmedido. O
questionamento neste trabalho destina-se a analisar a relação existente entre o
princípio da precaução e a implementação do desenvolvimento sustentável no caso
prático em comento.
O
método do trabalho é qualitativo com a revisão de literatura sobre o tema,
promovendo-se um levantamento de fontes bibliográficas com posterior seleção e
investigação dos aspectos que permitem visualizar o problema de pesquisa
analisado.
O
trabalho será elaborado com a análise do princípio da precaução, vislumbrando a
sua origem, fundamentos e aplicabilidade. Posteriormente abordar-se-á o desenvolvimento
sustentável como princípio e premissa a ser seguida e a aplicação prática dos
referidos institutos no caso prático da Usina Hidrelétrica Barra Grande, com o
intuito de analisar se o empreendimento buscou um desenvolvimento sustentável e
capaz de resguardar o princípio da precaução de maneira efetiva.
2.
A
busca pelo desenvolvimento sustentável
Diante do
panorama social, vive-se o dilema de como conciliar o desenvolvimento com a
proteção ambiental. Isso porque, nas décadas que precederam a situação atual,
ao crescimento
era atribuída uma visão otimista de que o avanço econômico era o milagre
criador do progresso e da qualidade de vida. Hoje, tem-se que o avanço econômico
deve caminhar de braços dados com a ideia de sustentabilidade, eis que o progresso
desmedido geraria um grave problema aos recursos ambientais, que são finitos.
Para que se
avalie a busca por um desenvolvimento sustentável no caso prático da Usina de
Barra Grande, é preciso que se compreenda o conceito da temática em análise.
O
delineamento da ideia de desenvolvimento sustentável começou a ser traçado em
1987 com o Relatório Nosso Futuro Comum, quando um conceito eminentemente
político e visto como “amplo para o progresso econômico e social[4]”
foi lançado.
O
conceito criado na época abordou de maneira genérica a ideia de desenvolvimento
sustentável, fazendo com que o discurso de sustentabilidade levasse a uma luta
contra o crescimento econômico desmedido sem uma “justificação rigorosa da
capacidade do sistema econômico de internalizar as condições ecológicas e
sociais (de sustentabilidade, equidade, justiça e democracia) deste processo
[...][5]”.
Apesar disso, o conceito de desenvolvimento sustentável foi absorvido pelas
legislações internas de vários países, possibilitando assim uma nova etapa na
busca da preservação ambiental.
Esta
busca pelo desenvolvimento, não apenas econômico, mas visto de maneira
sustentável, é definida pelo autor Amartya Sen[6]
quando diz: “O desenvolvimento é a expressão da própria liberdade do indivíduo.
Por isso, ele deve resultar na eliminação da privação de liberdades
substantivas, como bens sociais básicos: alimentação, educação, água tratada,
saneamento básico e qualidade do ambiente.” Desta forma, não se trata de
priorizar apenas o progresso, mas de considerar como ponto relevante a
sustentabilidade sob seus diversos aspectos.
A abordagem dos
autores Tiago Fensterseifer e Ingo Wolfgan Sarlet[7]
corrobora esta ideia quando afirmam que o conceito de desenvolvimento sustentável
vai mais além de uma mera harmonização entre a economia e a ecologia, incluindo
valores morais relacionados à solidariedade, o que indica o estabelecimento de
uma nova ordem de valores que devem conduzir à ordem econômica rumo a uma produção
social e ambientalmente compatível com a dignidade de todos os integrantes da
comunidade político-estatal.
Assim, a ideia
de desenvolvimento sustentável busca a evolução do pensamento antropocêntrico
para o biocêntrico, de forma que a defesa do meio ambiente prevaleça em
detrimento de outros interesses. Sobre isso, Lunelli[8] afirma que não
basta que existam leis que preservem o meio ambiente, mas que estas sejam
interpretadas de forma a primar pelo bem ambiental e não por interesses
econômicos de instituições públicas ou privadas.
Logo, não se
pretende a inviabilização de atividades econômicas que geram o progresso, mas
sim, analisar se a forma como é conduzido o empreendimento atende aos preceitos
de desenvolvimento sustentável.
Na análise, é
preciso considerar a tríade que compõe o princípio: “dimensão econômica (permitir
o crescimento econômico), social (garantir a qualidade de vida) e a ambiental
(preservar a natureza)[9]”.
Nota-se que as três dimensões precisam andar juntas e de maneira harmônica, de
forma que o princípio tenha efetividade. Quando uma das dimensões se sobrepuser
às demais, não há que se falar em aplicação do princípio do desenvolvimento
sustentável.
Sobre isso,
corrobora o entendimento de José Eli da Veiga[10]
quando diz que as três dimensões devem ser consideradas de forma que se busque
uma solução triplamente vencedora (isto é, em termos sociais, econômicos e
ecológicos). Desta forma, eliminar-se-ia o crescimento selvagem obtido por meio
de elevadas externalidades negativas, sejam sociais ou ambientais.
Para que o
desenvolvimento sustentável seja efetivo nos moldes citados, é preciso que a
preservação das dimensões social e ambiental seja resguardada com base em
alguns princípios ambientais. Para que se tente verificar externalidades negativas iminentes ou
possíveis, o uso do princípio da precaução revela-se essencial.
3.
O
Princípio da Precaução como balizador dos empreendimentos de grande monta
Para que se
analise a efetividade da busca pelo desenvolvimento sustentável é preciso
observar a utilização do princípio da precaução e verificar qual a sua
importância no ordenamento jurídico. Por ser classificado como princípio, desempenha
um papel fundamental no
resguardo de direitos e pode ser classificado de maneira ampla como geral de direito e em princípio
do ordenamento[11]. O autor Francisco Amaral[12]
afirma que “os princípios jurídicos são pensamentos diretores de uma regulação
jurídica”.
No
entanto, existem outros posicionamentos mais abrangentes considerando os
princípios como a base de toda a normatização e, justamente por isso, estão
acima do ordenamento jurídico, servindo para ele de fontes externa e interna[13].
Há,
portanto, diferenciações dentro dos próprios princípios que influenciam
inclusive na aplicabilidade fática de cada postulado. Tratando especificamente
do princípio da precaução, sua ideia de conduta prudente para evitar os riscos
é fruto do medo e da insegurança que sempre rondaram a sociedade. Medidas
preventivas eram tomadas de forma intuitiva e sem uma consciência real dos
danos concretos que a ausência da precaução geraria.
O
surgimento do princípio deu-se com o objetivo precípuo de proteção do bem
ambiental. Em debates internacionais visando à proteção ambiental o principio
já era colocado em voga e foi aposto de forma expressa em 1987 durante a Conferência
sobre o Mar do Norte. Pode-se afirmar que hoje a precaução é “racional, científica, tecnológica e
jurídica”[14]
e conta com mecanismos mais detalhados de proteção.
Em
que pese isso, o marco oficial do princípio acontece em 1992 com a Declaração
do Rio de Janeiro – Eco-92[15],
onde ele ganha força e passa a ser aplicado e analisado no direito ambiental e
em demais âmbitos como um direito sanitário e alimentar. O referido documento
dispõe:
Princípio 15 - Com o
fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente
observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça
de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não
será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis
para prevenir a degradação ambiental.
O
princípio surge no direito ambiental como uma ideia de prudência no agir
humano, tendo em vista os novos riscos que surgem na sociedade contemporânea. A
falta de fundamentação científica e as incertezas que surgem não restam sem
amparo jurídico na seara ambiental. A fundamentação do principio é situada na responsabilidade
pelo futuro para com as gerações vindouras e uma forma racional de proteção,
mesmo diante da ausência de certezas científicas[16].
A
ideia basilar deste princípio está centrada, portanto, no objetivo de evitar
que os riscos se transformem em perigos concretos e gerem danos. A análise dos
riscos existentes e a aplicação de diretrizes de forma a evitar efeitos
negativos faz com que o princípio tenha lugar importante no ordenamento
jurídico. Isso porque sua aplicação em conjunto com princípios da razoabilidade
e proporcionalidade faz com que haja a real ponderação entre a precaução, a paz
social e a livre iniciativa diante de inovações tecnológicas.
O princípio pode ser
utilizado ainda de forma que faça oposição ao risco existente, primando sempre
pela proteção do bem ambiental. A ideia de oposição ao risco é apontada por
José Cretella Neto[17] quando ele diz que:
O princípio da
precaução (precautionary principle) baseia-se na ideia de que qualquer
incerteza deve ser interpretada com vistas à adoção de determinada medida de
salvaguarda. Segundo esse princípio, a mera cogitação da existência de algum
risco potencial à saúde ou ao meio ambiente, ainda que não suficientemente
confirmado de forma científica, justifica a adoção de medidas que evitem o dano
temido.
Esta
oposição ao risco com a precaução gera diversas posições doutrinárias no campo
da aplicação deste principio. Isso porque a aplicação de gerenciamento de
riscos de algo incerto pode gerar posicionamentos radicais como a busca pela
eliminação total do risco com medidas precaucionais.
É notório que a eliminação
do progresso de maneira totalitária é algo impensável e inatingível. Tem-se, porém
que buscar um desenvolvimento racional e que proteja o meio ambiente de maneira
aceitável, transformando-se assim na busca pelo desenvolvimento sustentável.
Neste sentido, Clóvis E. M.
da Silveira[18]
define que “a ideia de ‘precaução’ inovou com relação à ‘simples’ prevenção (ou
seja, prevenção de danos futuros conhecidos, comprovados e mensuráveis), porque
impõe agir com cautela também diante daquelas circunstâncias pouco conhecidas,
difíceis de mensurar e comprovar [...]”.
A
aplicação deste princípio deve ser ponderada e implementada sempre levando em
consideração os custos sociais e os riscos e benefícios de sua utilização. A
ponderação entre a busca de proteção e o desconhecimento dos reais impactos que
uma atividade pode causar é o ponto de destaque nesta análise.
O
objetivo do princípio portanto não é inviabilizar nenhuma atividade econômica,
nem fazer com que o Estado use o princípio como justificativa para barrar atividades
de empresas, mas sim, fazer com que o desenvolvimento seja acompanhado da
sustentabilidade do meio ambiente que o rodeia.
Nota-se
que nem todos os possíveis danos são comprovados cientificamente, seja por
falta de técnicas avançadas para tanto, seja por outros motivos escusos. Sobre
a falta de comprovação científica, Isabelle[19]
afirma que o risco que é detectado só
considera o que pode gerar danos aos que se beneficiam do direito de empreender
e gerar o progresso. Desta forma, há danos que não são identificados de maneira
científica, mas são tão ou mais graves que os capitulados.
O princípio da precaução deve atuar no gerenciamento
destes riscos que ainda estão permeados pela incerteza, seja qual for a
motivação disso, e, portanto, não é possível saber se tornar-se-ão efetivamente
um perigo concreto e posteriormente um dano, ou permanecerão no campo das
especulações.
A preocupação é a de que, caso se tornem efetivos,
os danos gerados por um risco potencial podem ter consequências irreversíveis e
tão prejudiciais ao meio ambiente que as presentes e futuras gerações sentirão
as consequências.
4.
O caso
prático: Usina Hidrelétrica Barra Grande em Pinhal da Serra/RS
Não
se pretendem neste breve artigo apenas conclusões demasiadamente elaboradas
sobre o tema, ante a complexidade do assunto aqui abordado. Mas diante do caso prático escolhido, nota-se
que a Usina Hidrelétrica Barra Grande é uma imponente construção feita na
região nordeste do Rio Grande do Sul. O empreendimento está situado na cidade
de Pinhal da Serra/RS e faz parte da microrregião de Vacaria, fazendo parte, assim,
da região nordeste do Rio Grande do Sul/RS.
O
empreendimento foi erguido com o objetivo de geração de energia elétrica para o
avanço econômico na região. Construída no leito do rio Pelotas, entre os
municípios de Anita Garibaldi/SC e Pinhal da Serra/RS, a Usina entrou em
operação no dia 1º de novembro de 2005. Sua potência instalada é 690 megawatts,
quantidade suficiente para atender ao equivalente a 24% da demanda catarinense
ou a 18% do total de energia consumida no Rio Grande do Sul[20].
O
reservatório utilizado pela usina abrange uma área com 95 quilômetros
quadrados, ocupando parcialmente terras de nove municípios: Anita Garibaldi, Cerro
Negro, Campo Belo do Sul, Capão Alto e Lages, em Santa Catarina; e Pinhal da
Serra, Esmeralda, Vacaria e Bom Jesus, no Rio Grande do Sul. Para a construção
da usina, foram necessários cinquenta e dois meses com o trabalho de cinco mil
pessoas. [21]
Diante
do tamanho do empreendimento e de sua importância para o desenvolvimento da
região, a necessidade de análise do caráter da sustentabilidade da Usina revela-se
indispensável.
O
problema central encontra-se no fato de que a área inundada pelo reservatório
da usina compreende uma grande quantidade de Mata Atlântica. Segundo Miriam
Prochnow[22],
especialista em ecologia aplicada, coordenadora geral da Rede de ONGs da Mata
Atlântica - RMA e presidente da Apremavi, a área inundada abrange cerca de
8.140 hectares, sendo que 90% desta área é recoberta por floresta primária, com
diferentes estágios de regeneração e por campos naturais. Pior que isso, na
área atingida encontra-se um fragmento da Floresta Ombrófila Mista do Estado de
Santa Catarina, cujas araucárias foram identificadas com altos índices de
viabilidade genética já verificado no ecossistema.
Diante
do panorama dado, nota-se que problemas no licenciamento do empreendimento
iniciaram-se ainda em 1998, com a omissão de dados quanto à floresta de
araucárias que se situava no local. Para a liberação do licenciamento,
omitiu-se a informação de que no local havia um “raro fragmento da floresta de
araucária com altos índices de diversidade genética[23]”.
Se
por um lado a empresa omitiu a informação no EIA/RIMA, por outro o IBAMA -
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis não
verificou a inconsistência da informação, liberando, assim, a licença para
funcionamento.
Ademais,
o licenciamento ambiental de instalação da obra foi feito pelo IBAMA já com a
vigência da Resolução 278 do CONAMA, que prevê a preservação das espécies
ameadas de extinção.
Foi
apenas na liberação da licença de operação que o IBAMA verificou a existência
de uma das últimas áreas primárias de araucária no Brasil. Neste ponto, o muro
da represa já estava praticamente concluído, quando a Baesa – consórcio formado
pelo grupo Votorantin, Bradesco, Camargo Corrêa, Alcoa e CPFL – pediu ao Ibama
a emissão da Licença de Operação (LO) para o enchimento do reservatório.[24]
Diante
do cenário dado, a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses e a Rede de
ONGs da Mata Atlântica impetraram, em setembro de 2004, uma ação civil pública[25]
na Justiça Federal de Florianópolis/SC na tentativa de reverter esta absurda
situação.
Apesar
da verificação da fraude no EIA/RIMA, “o IBAMA autorizou, dia 17 de setembro, o
desmatamento da floresta, alegando que não é de interesse público paralisar uma
obra em estágio final de conclusão”[26].
Foi firmado um Termo de Compromisso com a Baesa para que a empresa comprasse “uma
área de 5.700 hectares para constituição de uma reserva ambiental, além de
formar um banco de germoplasma para a preservação dos recursos genéticos
específicos da floresta nativa que será alagada[27]”.
Sem
adentrar na discussão judicial da demanda, em apertada análise da situação da
Usina de Barra Grande, nota-se que a região inundada abarcava uma importante
região de flores de araucárias.
Estava-se
diante de um caso que envolvia o cerne do binômio avanço econômico e
preservação do meio ambiente. Porém, o que se tinha era de um lado a construção
de uma grande obra de infraestrutura, destinada a alavancar investimentos de
grandes grupos empresariais privados, demonstrando o progresso, e de outro a
destruição de um dos mais importantes remanescentes de um dos ecossistemas mais
ameaçados do país[28].
O
risco decorrente da inundação de uma grande área, destruindo araucárias que
foram identificadas com altos índices de viabilidade genética, demonstra que
medidas precaucionais não foram tomadas no caso concreto. A ideia de
desenvolvimento sustentável foi deixada de lado em prol do avanço econômico que
não pode parar. Prioriza-se o progresso em detrimento do meio ambiente sem que
ao menos se perceba que aquele não é viável em longo prazo sem este.
5. Considerações Finais
A vida em sociedade nos tempos modernos desencadeia uma constante
busca pelo desenvolvimento e inovação. Não é novidade a difícil tarefa de
buscar o equilíbrio entre o avanço tecnológico desenfreado e a proteção dos
recursos naturais do planeta. Permeado pelo binômio avanço tecnológico/meio
ambiente preservado, empreendimentos de grande monta são cruciais para que o
desenvolvimento sustentável ganhe notoriedade e aplicabilidade.
A construção de grandes obras como usinas hidrelétricas afeta de
maneira importante o meio ambiente e, se conduzida de maneira a priorizar a
importância econômica do empreendimento, pode se mostrar catastrófica para a
natureza.
Justamente por isso a ideia de desenvolvimento sustentável foi
criada para tentar balizar obras como o caso prático analisado, de forma que o
avanço aconteça, mas sem desconsiderar o meio ambiente.
Para tanto, o uso do princípio da precaução na busca pelo
desenvolvimento sustentável demonstra que não é preciso analisar apenas os
perigos concretos de danos, mas também aqueles sob os quais a ciência não
debruçou-se de maneira efetiva ou não possui mecanismos para tanto.
O resguardo do bem ambiental para um desenvolvimento sustentável
perpassa a ideia de precaução quando os riscos gerados por um empreendimento
como a Usina Hidrelétrica Barra Grande podem causar danos de grande monta e
irreversíveis.
No caso prático, revelam-se inaceitáveis as falhas no
licenciamento do empreendimento, desconsiderando por completo a floresta de araucárias que foram identificadas com
altos índices de viabilidade genética e habitavam o local. Apesar de
tardiamente constatadas de maneira oficial, o empreendimento seguiu em prol do
avanço econômico, não sendo possível calcular os prejuízos gerados com a
construção da usina naquele local.
Após as breves pinceladas teóricas sobre os institutos da
precaução e do desenvolvimento sustentável, nota-se que o processo de
construção e funcionamento da Usina Hidrelétrica Barra Grande foi permeado por
problemas de toda ordem.
Em que pese indispensável, a análise dos riscos e medidas
precaucionais não foram efetivadas da maneira esperada, primando pelo avanço
tecnológico em detrimento do desenvolvimento sustentável. O empreendimento não buscou um
desenvolvimento sustentável e capaz de resguardar o princípio da precaução de
maneira efetiva.
As dimensões muitas vezes globais dos riscos demonstram
que não se trata do gerenciamento de potenciais reveses a pequenas populações,
mas do planeta todo e todas as suas formas de vida que são colocadas em risco
diariamente na sociedade contemporânea. É preciso precaução para que não se
tenha que lidar com danos irreversíveis e de grandes proporções que atinjam não
apenas o presente, mas futuras gerações pela ânsia atual do avanço tecnológico.
A pesquisa feita neste trabalho merece
aprofundamento no estudo da utilização do princípio da precaução no que diz
respeito aos danos gerados na construção da Usina Hidrelétrica Barra Grande. Desta
forma, nota-se que a teoria assegura que o desenvolvimento sustentável deve
ocorrer de forma que o progresso não seja barrado e nem o meio ambiente
esgotado.
Contudo, lamentavelmente, pelo contrário, o que se
percebe são jogos de interesses escusos onde o meio ambiente acaba sendo sempre
o mais atingido.
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[1] Mestranda
em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul/RS. Especialista em Direito
Público pelo programa de pós graduação em direito convênio Universidade de
Caxias do Sul – Escola Superior da Magistratura Federal – ESMAFE/RS. Servidora
Pública do Município de Caxias do Sul. Advogada. Conciliadora Cível na Comarca
de Flores da Cunha/RS. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4723808454178892. E-mail:
rubianegaliotto@gmail.com
[2] Mestrando em Direito
Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul/RS. Advogado. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7083546133472274. E-mail:
gsdanieli@ucs.br.
[3] Mestrando em
direito pela Universidade de Caxias do Sul. Advogado. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5138326964068427. E- mail:
Aulus.sc@gmail.com.
[4] VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento
sustentável: o desafio do século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Garamond,
2008, p. 113.
[6] SEN, Amartya. Desenvolvimento
como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das
letras, 2002, p. 18.
[7] SARLET,
Ingo Wolfgang; FEBSTERSEIFER, Tiago.
Princípios do direito ambiental. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 95.
[8] LUNELLI, Carlos Alberto. “Por um novo paradigma processual nas
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court”. In: LUNELLI, Carlos Alberto; MARIN, Jeferson Dytz (Org.). Estado,
meio ambiente e jurisdição. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2012.
[9] FERRE, Fabiano Lira; CARVALHO, Márcio Mamede Bastos de; STEINMENTZ,
Wilson. “O conceito
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AUGUSTIN, Sérgio
(Org.). Direito Ambiental e Sociedade. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2015, p. 92.
[10] VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento
sustentável: o desafio do século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Garamond,
2008, p. 93.
[11] AMARAL, Francisco. Direito
Civil – Introdução. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 72.
[12] AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2000, p. 92.
[13] ALPA, Guido. I Principi
Generali. Milano: Giuffrè, 1993, p. 6 e 7
[14] LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio
da Precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 97.
[15] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível
em: <file:///C:/Users/User/Desktop/declaracao-do-rio.pdf>.
Acesso em: 26 de maio de 2017.
[16] ARAGUÃO, Alexandra. Princípio
da precaução: manual de instruções. Revista do Centro de Estudos de Direito do
Ordenamento, do urbanismos e do Ambiente. Coimbra, Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, Ano XI, n. 22, 02.2008, p. 15.
[17] CRETELLA NETO, José.
Direito Processual na Organização mundial do comércio – OMC. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 224.
[18] SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. O princípio da precaução
como critério de avaliação de processos decisórios e políticas públicas
ambientais. Revista Internacional de
Direito Ambiental. Ano II. N. 5. Maio/ago 2013. Caxias do Sul: Plenum,
2013, p. 32.
[19] STENGERS,
Isabelle. No tempo das catástrofes –
resistir à barbárie que se aproxima. Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro. São
Paulo: Editora Cosac Naify, 2015, p. 55.
[20]Usina
Hidrelétrica Barra Grande. Disponível em: <http://www.baesa.com.br/baesa/categoria.php?&cod_modulo=1&cod_categoria=1>.
Acesso em: 07 set. 2017.
[21]Usina Hidrelétrica
Barra Grande. Disponível em: <http://www.baesa.com.br/baesa/categoria.php?&cod_modulo=1&cod_categoria=1>.
Acesso em: 07 set. 2017
[22] PROCHNOW,
Miriam. A importância da floresta do vale do rio Pelotas. In: PROCHNOW, Miriam
(Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul:
APREMAVI, 2005, p.6.
[23] PROCHNOW, Miriam. A importância da floresta do vale do rio Pelotas. In: PROCHNOW, Miriam
(Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul:
APREMAVI, 2005, p. 7.
[24] ZEN, Eduardo Luiz. Fraude garante licença para hidrelétrica. In: PROCHNOW, Miriam
(Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul:
APREMAVI, 2005, p. 33.
[25] BRASIL. Juízo Federal
da 6ª VF de Florianópolis, Ação Civil Pública nº 5003502-55.2011.4.04.7200.
Autores: Rede de Organizações não governamentais da Mata Atlântica Associação
de proteção ao meio ambiente de Cianorte - APROMAC e Associação de Preservação
do Meio Ambiente e Vida. Réu: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA e outros. Julgador: Marcelo Krás Borges. Florianópolis, 19 de
março de 2010. Disponível
em: <
https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtValor=50035025520114047200&selOrigem=SC&chkMostrarBaixados=S&todasfases=S&selForma=NU&todaspartes=&hdnRefId=9bf922a5ac9803676b60d1d0b6ce9f3c&txtPalavraGerada=DpfZ&txtChave=
> . Acesso em: 07
set. 2017.
[26] ZEN, Eduardo Luiz. Fraude garante licença para hidrelétrica. In: PROCHNOW, Miriam
(Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul:
APREMAVI, 2005, p. 33.
[27] ZEN, Eduardo Luiz. Fraude garante licença para hidrelétrica. In: PROCHNOW, Miriam
(Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul:
APREMAVI, 2005, p. 33.
[28] VALLE, Raul Silva do. O caso Barra Grande: lições sobre o (não)
funcionamento do Estado de Direito no Brasil. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul:
APREMAVI, 2005, p. 15.
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