O
REGRAMENTO INEFICAZ DA RELAÇÃO HUMANA ENTRE O MEIO AMBIENTE E O ESTADO
Aulus
Eduardo Teixeira de Souza[1]
RESUMO
Em meio aos descasos
sociais que silenciosamente marginalizam o equilíbrio sustentável de nossa
biodiversidade e a ausência de planejamento das ações para mitigar ou impedir a
destruição do meio ambiente natural, está uma profusão normativa capaz de fazer
inveja à várias nações. Entretanto, o artigo em apreço visa demonstrar que arcabouço
jurídico que deveria revestir o núcleo do globo vital planetário, não o faz
relativamente à ausência de tratamento epistêmico e a distorção de valores do
homem, cujos valores o colocam no centro das atenções priorizando o crescimento
econômico, e na medida do possível buscar o equilíbrio sustentável se assim lhe
convier. As medidas atuais são medíocres se comparadas ao binômio possibilidade
vs necessidade, portanto, que
inúmeras incongruências são detectadas quando se busca priorizar tecnicamente a
adequada ocupação do solo visando o bem-estar sócio ambiental das comunidades.
O texto apresenta sucinta visão panorâmica acerca da ótica distorcida do homem de
que a biodiversidade e os ecossistemas gravitam em torno de si próprio. Realça
ainda, a possível inconstitucionalidade da lei de parcelamento de solo que não
foi modificada após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Com efeito,
busca demonstrar que a lei é natimorta ante a ausência sinérgica de efetiva
aplicação, e que a interpretação normativa deve considerar o homem, seus
aspectos subjetivos de julgamento, o meio ambiente e sua manutenção permanente,
tanto quanto, as prioridades do estado brasileiro.
Palavras-chaves:
Meio ambiente;
zoneamento urbanístico; municipalidade; proteção ambiental.
THE INEFFECTIVENESS OF THE RULES OF HUMAN RELATIONSHIP
BETWEEN THE ENVIRONMENT AND THE STATE.
ABSTRACT
Among the social Negligence silently marginalize sustainable balance of our
ecosystem and biodiversity, the lack of planning of actions to mitigate or
prevent the destruction of the natural environment, we face a normative
profusion able to do envy the various nations, however the legal framework that
should coat the core of planetary vital globe, does not, on the absence of
epistemic treatment and distortion of human values put him in the spotlight
prioritizing economic growth and as far as possible seeking sustainable balance
if it suits you. The current measures are mediocre compared to the binomial
possibility need, so that numerous inconsistencies are detected when seeking technically
prioritize the appropriate land use for the well-being environmental partner
communities. The paper presents brief overview about the distorted perspective
of man that biodiversity and ecosystems revolve around himself. Emphasizes also
the possible unconstitutionality of the land in installments law that has not
been modified after the promulgation of the Constitution of 1988. In fact, it
seeks to demonstrate that the law is stillborn at the synergic absence of
effective application and that the normative interpretation should consider
man, his subjective aspects of trial, the environment and its ongoing
maintenance, as well as the priorities of the Brazilian state.
Keywords:
Environment; urban zoning;
municipality; environmental Protection.
1. INTRODUÇÃO
A problemática da urbanização
irregular no Brasil é sobejamente jurídico-estrutural. Desde os períodos de
Montesquieu, colhe-se de sua festejada obra o espírito das leis que as relações
de equilíbrio com as leis editadas anteriores são simétricas à lei positivada.
Portanto, o impacto das atividades antrópicas provoca a contrário senso a
ingerência dos poderes sobre a aplicabilidade do arcabouço legal vigente.
Percebeu-se que a
instituição dos três poderes do estado, harmônicos entre si, sobressaem-se a
ingerência de um sobre os outros. Não se pode olvidar que o estado brasileiro é
absolutamente responsável pela ausência de planejamento na ocupação do solo
urbano ou rural. Mas isso não exime a culpabilidade do súdito em face da Coroa,
mas apenas o submete ao desígnio do Estado que o envolve no manto da omissão e
do devaneio, ainda que indiretamente, vez que, sob o enfoque do cidadão o
estado passa ser responsabilizado viciosamente pelas ações não planejadas que
passam a provocar inúmeros problemas de ordem social e econômica provocadas
pelos governos e seu poder estatal.
Certo é que a
inexistência de políticas públicas tem reflexo direto nos eventos climáticos
das grandes metrópoles e por consequência submete o meio ambiente natural as
mais robustas degradações. A este exemplo é o município de São Paulo, que
devido à falta de planejamento, as águas das precipitações nos perímetros
urbanos ocupados invadem as edificações, provocando destruições de toda ordem
nas estruturas que encontra pela frente. A contrassenso, verifica-se a ausência
de água potável nos sistemas e reservatórios que abastecem o estado paulista e
parte da região sudeste.
Por óbvio, não se trata
apenas da indissociável vontade dos céus, a crise hídrica potável, não está
diretamente ligada ao caos urbano que a metrópole experimenta em dias de fortes
precipitações. A razão da destruição e do caos provocados pelas enchentes e
alagamentos no município de São Paulo está em grande parte na ausência de
estratégias e de políticas públicas que viabilizem a correta e adequada
ocupação do solo com planejamento.
A despeito da relação
conturbada entre o homem e a natureza que em nome do progresso provoca as
maiores catástrofes naturais e que este relacionamento é doentio a ponto de
marginalizar a ética social de convívio pacífico entre os atores e o meio, é
cediço que o homem depende efetivamente da natureza, do meio ambiente natural,
cingindo-se ainda à questão prostibula a arbitrária exploração dos recursos
hídricos renováveis, eis que a água sobrevive a um ciclo sustentável do qual o
homem é resultado intrinsecamente natural.
Não menos importante,
preleciona Rech e Rech que a ocupação humana nos municípios ainda não criou a
contento locais ambientalmente sustentáveis para adequada ocupação social. A
despeito disso, pouco se fez para garantir a correta ocupação, afim de evitar
esse desequilíbrio, onde a desproporcionalidade da ocupação demográfica em
massa, provoca por consequência caos na mobilidade urbana, fomenta o
desemprego, a miséria e o aumento dos índices de criminalidade, fatores que por
óbvio se alçam a margem do controle do estado brasileiro. [2]
2. A
ÓTICA DISTORCIDA DO ANTROPOCENTRISMO FEUDAL
Fundada na teoria da
ótica distorcida do antropocentrismo feudal é que o homem envida esforços na
exploração dos recursos naturais acometendo-se da verdade absoluta de que é o
centro do universo ambiental em que vive. E, em rota de colisão com a verdade
real, da qual é verossímil e aceitável ser o homem produto do meio onde habita,
se apresenta com grande reflexo destrutivo no bem-estar humano, social e
econômico.
Subjugando-se em
justificativas paliativas, o homem mantém a afirmação no contexto paradigmático
de que todo o meio ambiente em que este habita, existe para lhe servir e com
isso, dali extrair os benefícios econômicos das zonas delimitadas que o
progresso lhe proporciona.
Há efetiva distorção na
concepção do indivíduo, posto que a partir desta premissa, onde a extração se
dá de maneira desenfreada, e todos os municípios são planejados sob esta mesma
visão destrutiva, o homem torna-se absoluto senhor, cujos arredores
transformam-se em verdadeiros feudos medievais espalhando a destruição, a
exploração desmedida, a miséria e a péssima qualidade de vida. Nesses núcleos
instituídos pela ação predatória do homem, este subjuga as esgotáveis fontes de
recursos naturais promovendo o desequilíbrio do ambiente natural ocupado.
É verdadeira a
afirmação de que as cidades estão esgotando os meios naturais colocados à sua
disposição pelo Supremo Criador e, portanto, a inadequada ocupação do homem nos
espaços que deveriam ser preservados, provoca a destruição e as intempéries
irracionais provocadas contra a natureza que responde à altura desordenando
ainda mais a vida social. Não há que se falar em falta de espaço, entretanto,
deve-se procurar a ocupação de maneira racional e harmônica.
Nas palavras de Rech e Rech,
É necessário partir da premissa
de que o homem faz parte do meio ambiente, pois nasceu no seio dele e é dele
totalmente dependente. A vida, para ser preservada, necessita de um meio
ambiente equilibrado; portanto, o homem, para continuar a ter segurança de seu
existir, prescinde da existência de um meio ambiente equilibrado.[3]
Influência direta sofre
a qualidade de vida humana, da qual o prejuízo decorrente provoca o efeito da
ocupação irregular e desordenada do homem no habitat onde vive. Respeitar é sinônimo
de se bem relacionar com os atores do contexto com cautela e planejamento, se
isso é possível, então olvida-se a desordenada ocupação. Com supedâneo na ação
de causa e efeito, as consequências socioeconômicas do descaso social com que o
homem lida com o meio ambiente tem nos demonstrado efetivamente que não se
mostra bom negócio desrespeitar o ambiente natural, sob pena de sofrer a
extinção da própria raça humana do orbe planetário.
Comungando deste
entendimento de que o respeito ao meio ambiente é fator preponderante para o
bem-estar do homem na ocupação territorial e de que a relação entre o homem e a
natureza é tão antiga quanto a própria história da humanidade, Coulanges (1864)
já descrevia em sua festejada obra “La
cité antique. Étude sur le culte, le droit, les institutions de la Grèce et de
Rome”, que a convivência pacífica e harmoniosa do homem e o meio ambiente
prescindia de evidente continuidade.
E ressaltava que,
“Seu olhar encantava-se com
essas belezas ou se deslumbrava com essas grandezas[...] A sua vida estava nas
mãos da natureza; esperava a nuvem benfazeja de que dependia a colheita; temia
a tempestade que podia destruir o trabalho e a esperança de todo um ano. Sentia
a todo momento a sua fraqueza e a incomparável força do que o rodeava.
Experimentava perpetuamente um misto de veneração, de amor e de terror por essa
poderosa natureza.[4]
A prepotência e
arrogância com que o homem trata a natureza e a densidade da urbanização do
meio desordenadamente acaba por produzir reflexos sociais negativos em todas as
áreas de convivência. Porquanto, o indivíduo se esqueceu dos valores de
outrora, sendo certo que para a retomada do convívio socioambiental harmônico, este
deve procurar a capacidade equitativa de oportunidades igualitárias e
uníssonas.
As necessidades do
gênero humano não se modificaram com o passar do tempo, posto que o homem
permanece dependente do meio onde vive, apenas deixou de perceber esta
dependência por sua própria conveniência que vislumbra na exploração
desenfreada do meio ambiente em detrimento da ilusória possibilidade de
bem-estar futuro.
Seu crescimento e
desenvolvimento sempre se processou juntamente com as demais espécies vivas no
meio ambiente, portanto, esta irmanação está ligada ao biocentrismo que visa a
preservação da vida, ainda que animal ou vegetal, constituindo-se em verdadeira
cadeia de proteção unicelular, onde o homem tem a capacidade racional de
atender aos destinos da humanidade.
É no trinômio: vida –
instinto – inteligência a extração subjetiva da ideia de que o tratamento do
meio ambiente de forma irracional provocará a médio e longo prazo prejuízos sem
precedentes à vida, cujo instinto natural hominal, uma vez fruto de seu meio,
denota a inutilização de sua inteligência para o bem maior e fins comum. Não
obstante, o direito ocidental traz em sua estrutura, evidente revestimento em
seu conjunto normativo, de aportes religiosos, uma carga exorbitante de valores
ligados a ortodoxia litúrgica romana e assim ignoraram, a priori, a
problemática ambiental como elemento integrante do contexto social.
O isolamento da
natureza, que trespassa as ações pontuais do estado brasileiro, requer do homem
especial atenção e manejo com a delicada película que lhe reveste. De nada
adianta isolar as áreas de proteção ambiental, se tais áreas não estiverem
interligadas entre si. Esse comportamento não influi no habitat natural do
homem como um todo, vez que a procriação natural dos meios, seja vegetal ou
animal, se dará a distância do homem, o que lhe impedirá de usufruir de forma
sustentável dos recursos ali disponíveis.
Terra fértil desta
tragédia são os municípios brasileiros, onde o isolamento é providência adotada
por inúmeras culturas, não importando se rural ou urbana. Isso faz com que os
gestores públicos estabeleçam regras urbanísticas enxutas, que em sua maioria são
limitadas apenas ao perímetro urbano aderindo apenas as classes sociais mais
abastadas.
A ampliação do
perímetro urbano sempre ocorreu em razão da ocupação desordenada das áreas
potenciais de crescimento. Mas tal ampliação, se organizada, só ocorre na prática
quando se almeja arrecadação tributária pelo poder de império do estado. As
periferias crescem desordenadamente e sem o menor planejamento, isso provoca a
supressão do meio ambiente com a ilusória e efetiva ideia de que a sociedade
colhe bons frutos com peculiar atitude. O cerne da celeuma é que a referida
ocupação ocorre por absoluta inexistência de zoneamento ambiental, fato que
desnuda a degradação efetiva do meio ambiente.
Evidentes
circunstâncias não apontam para a ideia nuclear ecocêntrica da comunidade
biótica, ou seja, de que o meio ambiente é o centro vital (ecocentrismo) da
discussão, mormente quando se vislumbra que a saúde ambiental do ecossistema,
inclusive do homem, depende de tal subordinação econuclear. Não se pode olvidar
a importância de tratamento adequado para este conceito, há que se tratar como
uma sustentabilidade ética ambiental holística, posto que a forma epistêmica de
tratamento da questão é a não observação do indivíduo sozinho, mas a
coletividade.
Todavia, não é isso que
se apura na prática. Colhe-se que os espaços são ocupados visando a
individualidade na medida do possível, e ainda, que a ocupação se dá
culturalmente. As pessoas com maior poder aquisitivo tendem a se agrupar em um
espaço específico. Assim ocorre com as áreas verdes, onde a expansão da
ocupação, quando ordenada estrategicamente, deixa claro que o ecossistema contará
com maior respeito das castas mais instruídas visando o bem-estar natural e
vital do homem se o tratamento que lhe for dispensado buscar equitativamente o
equilíbrio e a harmonia da convivência do homem e seu ambiente.
3. A
AUSÊNCIA DE PLANEJAMENTO URBANÍSTICO NA PROTEÇÃO AMBIENTAL E A
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO
Analisando o fenômeno
das crises hídricas, é possível concluir que a humanidade se posiciona em
prontidão tendo em vista os índices alarmantes de escassez e prejuízo ante a
ausência de planejamento e estratégia, os quais mostram-se reflexos naturais da
ocupação desordenada de um espaço que não mais comporta tamanho desrespeito ao
regramento de zonas ambientais.
Rech esclarece que,
Os constantes alagamentos das cidades, em
contradição à falta de água na torneira, têm como causa primeira a falta de
normas que assegurem Unidades de Conservação (UCs) para garantir a
biodiversidade e a qualidade do ar que se respira conjugadas à falta de espaços
verdes em cada lote ou terreno parcelado, que assegure a permeabilização das
águas e um ambiente ecologicamente saudável ao homem. [5]
Somam-se a isso o
descaso e a cultura do homem que insiste em posicionar-se a “contrario senso” da via que conduz ao bem-estar
social e ambiental do indivíduo. Ademais se existem princípios que regulam a
profusão normativa de proteção ambiental, é consolidado o dever que tem o
estado em atuar positivamente na implementação de medidas programáticas e
sistêmicas engrossando o coro das responsabilizações reflexas na esfera
patrimonial e pessoal dos incautos.
É na compatibilização
do desenvolvimento econômico social e da preservação da qualidade do ambiente
natural que se homenageia o princípio do desenvolvimento sustentável, cujo sustentáculo
fundamental é a interligação dos canais que constituem a sociedade brasileira e
seus representantes, extrato decorrente do art. 225 da Constituição Federal, de
cuja disposição encontramos a necessária medida para efetiva proteção do meio
ambiente[6].
A teor do mencionado
dispositivo normativo todas as pessoas têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, o qual é essencial à sadia qualidade de vida,
devendo o estado defender, proteger e preservar suas condições para as gerações
atuais e futuras. De forma que, para atender ao regramento eficiente desta
obrigação assegurando este direito ao homem, o poder público precisa
compreender que ações planejadas e articuladas são fundamentais para preservar
os processos ecológicos e o manejo dos espécimes, bem como instrumentalizar
todas as diretrizes e disposições previstas nos sete incisos do dispositivo
constitucional.
E nesta direção está o
adequado planejamento urbanístico municipal, onde a regulação coordenada da
correta ocupação do solo, consequência lógica decorrente da prestativa
hermenêutica da Lei de parcelamento de solo, bem como o aproveitamento racional
dos recursos hídricos, o qual é fator fundamental para as grandes metrópoles tendo
em vista estas sofrerem os maiores prejuízos em razão de uma ocupação sem o
consequente planejamento diretivo tecnicamente funcional.
Os instrumentos
necessários à organização adequada dos espaços habitáveis em determinada
região, especialmente a urbana, são articulados pelo que denominamos de
urbanismo, este tem por finalidade ainda a correta aplicação das medidas de
coordenação, controle e gestão das ações do estado na proteção ambiental. Sob
este conceito se aplica a epistêmica função da gestão pública municipal de
planejar a organização e execução das edificações e da ocupação do solo, com
equilíbrio e sustentabilidade, promovendo a interação harmônica dos aspectos
habitacionais, laborais, de circulação e lazer dos projetos urbanísticos.
Rech e Rech destaca que
em direito urbanístico, tanto quanto em outros ramos afins, é impossível termos
um adequado gerenciamento ambiental.[7] A despeito da regurgitante
profusão normativa, os municípios, a despeito de seus planos diretores, não
encontram ressonância efetiva para promover o equilíbrio ambiental entre o
homem e o meio ambiente, especialmente, no que tange a ocupação inteligente do
solo, por efetiva ausência de planejamento das ações e medidas propostas pelo
estado para resolução da questão.
A eminente observação
da finalística necessidade de se planejar a ocupação do solo, especialmente o
urbano, é sobejamente necessária para utilização e manejo da prestação de
serviços públicos essenciais no município.
Na tese argumentativa
do ministro do STF Nelson Jobim, acerca da necessidade de planejamento
urbanístico, este afirma que,
[...] A medida que as cidades
brasileiras careceram desse tipo planejamento, tivemos um afluxo de demando no
serviço da infraestrutura municipal urbana que acabou implodindo a
possibilidade da prestação desse serviço. Essa é a razão básica do planejamento
urbano. Temos que ter presente que todas as decisões municipais sobre
planejamento urbanos e uso do solo urbanos têm a ver, numa ligação finalística,
com os serviços urbanos da competência do Município.[8]
Portanto, decorrente
dessa linha de raciocínio é possível sustentar a tese acerca possível
inconstitucionalidade que reveste a Lei federal nº 6.766/79 (Lei do
parcelamento de solo). No diploma mencionado, extrai-se em apertada síntese
duas formas de parcelamento urbano, posto que o parcelamento rural encontra
previsão na Lei Federal nº 4.564/64 (Estatuto da Terra) e em nenhuma das
disposições se verifica sintonia com o mandamento normativo previsto nas
disposições constitucionais de preservação da biodiversidade e proteção do
ecossistema como forma de garantir o bem-estar social das atuais e futuras
gerações.
A primeira forma,
prevista no art. 2º, §1º da Lei, dispõe sobre o denominado “Loteamento”, assim
definido como a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com
abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento,
modificação e ampliação das vias existentes. E a segunda, denominada “Desmembramento”
é expressa pelo §2º do mesmo dispositivo legal que consiste na subdivisão de
gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário
existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros
públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
A diferença se mostra
na operação do empreendimento, enquanto no loteamento a lei faculta ao
interessado a abertura de novas vias de circulação, no desmembramento a lei
franqueia o aproveitamento do sistema viário existente desde que não implique
abertura de novas vias e logradouros, entretanto, silencia a norma quanto a
proteção do meio ambiente ou ao equilíbrio da biodiversidade e do ecossistema
consoante a previsão constitucional do art. 225.
Ressalta daí a possível
e evidente falha legislativa, consciencial e fiscalizatória, na omissão
criacionista de medidas protetivas destinadas ao equilíbrio da biodiversidade e
do ecossistema na ocupação dos espaços urbanos municipais. Destacando que essa
falha pode ser justificada por uma incongruência normativa de recepção
constitucional da Lei do parcelamento de solo, visto que a Constituição Federal
foi promulgada em 1988 e a Lei federal em 1979, ou seja, dez longos anos
anteriores.
Todavia a hermenêutica
jurídico normativa não se faz de maneira isolada e, portanto, a despeito da
precária recepção da lei de parcelamento de solo, o artigo 225 da CF/88 deve
ser interpretado em consonância as 16 diretrizes de política urbana municipal
previstas no art. 2º da Lei federal nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade), não se
olvidando o artigo 30 da Constituição da República que trata da autonomia
municipal para legislar sobre assunto de peculiar interesse.
Logo, se o parcelamento
de solo urbano não contemplou a proteção ambiental em seu núcleo, afrontando a
disposição constitucional do art. 225, o estatuto da cidade contemplou no art.
2º, VI, a ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a poluição e a
degradação ambiental e, em seu inciso VII, a proteção, preservação e
recuperação do meio ambiente natural, paisagístico e arqueológico.[9]
De fato, esbarramos a
todo momento no princípio da autonomia municipal previsto no artigo 30 da
Constituição Federal, pois, toda a profusão normativa vigente remete à regulamentação
por lei municipal. A inobservância integrada desse regramento normativo provoca
uma verdadeira “colcha de retalhos” ambientais, pois em absolutamente nenhuma
lei se admite ou se impõe a obrigatoriedade de concatenação e agregação das
áreas verdes, unidades de conservação ou corredores ecológicos existentes ou
pendentes de criação.
Assim, de nada adiantará
determinar percentual de área verde se não planejar o atrelamento destas áreas
mencionadas, tais reservas devem se vincular em agrupamentos em determinado
raio de espaço. Em outro viés deve o homem ter consciência de sua missão e
responsabilidade social, e ainda, o estado deve implantar meios de efetiva
fiscalização ambiental.
Segundo a afirmativa de
Fabio Nusdeo apud Chuvite,
[...]O sistema econômico atua como
mero intermediário entre o meio ambiente e [...] o meio ambiente. Por mais
paradoxal que possa parecer esta afirmação, é o que, de fato, ocorre. A
atividade econômica do homem consiste, em essência, no retirar da biosfera
elementos que, mais cedo ou mais tarde, a ela retornarão, sob diversas formas
ou modalidades.[10]
4. O
MOVIMENTO ETICO CULTURAL DE AUTO AFIRMAÇÃO MUNICIPAL
O fenômeno do
imperialismo subordinou uma cidade a outra retirando a autonomia política e
social das cidades subordinadas. Ocorreu a transferência do poder para um
elemento nuclear que se convencionou chamar de cidade capital. Após a usurpação
do poder das cidades pelo imperialismo, este suprimiu a horizontalidade dos
poderes dificultando o manejo e o gerenciamento das estruturas municipais.
O movimento cultural e
ético de constituição das cidades é de fundamental importância. A sociedade e o
estado devem acautelar-se para que este movimento não atropele o crescimento
natural do meio ambiente, cujo crescimento é determinante para a proteção da
fauna e da flora. O viés enfatizado aqui é de que a expansão cultural do
crescimento urbano desordenado das cidades tem envolvimento direto com as
espécies que crescem ao seu redor e em seu íntimo.
A maior contradição se
verifica na instituição de áreas de estacionamento e estruturação urbana em
detrimento de áreas verdes e unidades de conservação. As cidades têm plena
capacidade de nascer, crescer e se desenvolver de forma sustentável. Podem sim,
pavimentar ruas sem prejuízo à mobilidade urbana e o meio ambiente. A divisão
dos espaços dialeticamente construídos tem por finalidade atender, não só a
legislação urbana, mas a harmonia e proteção ambiental prevista na lei maior
brasileira.
Porém, os espaços
verdes, as matas ciliares, devem ser mantidas ecologicamente em equilíbrio com
a consequente preservação das encostas de rios, riachos e outros espaços
naturais. É necessário que o enfrentamento da problemática ambiental não coloque
em risco os espaços ocupados, sob pena de abandono pelas grandes empresas dos
locais em que estão instaladas.
O movimento de autoafirmação
municipal humana decorreu da necessidade do homem de progredir, de crescer e
obter maior conforto para sua prole. Em sua busca procurou o homem a agregação
social, aproximando as vilas, as comunidades para que a convivência pacifica
lhes permitisse comungar dos mesmos objetivos e assim estabelecer o bem-estar
geral dos indivíduos. Para tanto instalava-se nos pontos mais altos, para se
prevenir de enchentes, ou nos locais mais próximos de fontes de recursos
hídricos e vegetação frutífera.
Isso mostra que o homem
sempre priorizou a retirada de seu sustento e a promoção de seu bem-estar do
meio ambiente, do ecossistema e da biodiversidade onde procurou se instalar.
Assim ocorreu o advento da organização municipal, do qual a hierarquia
normativa criada, parametrizou a regulação dos atos do homem e do cidadão nas
vilas, feudos e cidades ao longo do tempo.
Nas palavras de Rech e
Rech, o indivíduo peregrina sempre em busca do melhor, se satisfaz
momentaneamente para logo em seguida perceber sua insatisfação crônica. Percebe
que tendo sido ele, feito a imagem e semelhança de Deus, considera o meio
ambiente natural criatura da divindade e, portanto, apta à servidão de suas
necessidades. Ademais, nos períodos de isolamento social, sempre buscou a
perfeição de seu habitat a qualquer preço[11].
Para Munford apud Rech e Rech, “a principal função da
cidade é converter o poder em forma, a energia em cultura, a matéria inanimada
em símbolos vivos de arte, a reprodução biológica em criatividade social”[12]. Contudo, dada a
imperfeição humana, a atividade predatória do homem fê-lo desrespeitar os
espaços ecologicamente necessários de preservação. E, onde se esperava uma
ocupação por zonas urbanisticamente projetadas, ocupou-se de maneira irregular
e desenfreada provocando os desequilíbrios reflexos dos dias atuais.
Soma-se a isso a
exploração desproporcional dos recursos encontrados nos lugares onde a
biodiversidade mostrava-se ambientalmente rica. Portanto, nesses locais o homem
expandiu sua ocupação sem cotejar a possibilidade de que os recursos ali
disponíveis são esgotáveis. Desenvolveu as cidades, cultural e economicamente,
desrespeitando o ecossistema, impondo o afastamento da fauna local e provocando
em nome do progresso a destruição futura do bem-estar e do produto de sua
subsistência.
Caminhando a passos
lentos, precisamos compreender os aspectos inerentes ao urbanismo atual e sua
intrínseca relação com o meio ambiente, e para tanto, é necessário compreender
a formação históricas da polis, das cidades, e estas se confundem efetivamente
com a origem do próprio estado territorial.
A muito que as cidades
estados da antiga civilização possuíam soberania e autonomia política e eram
localizadas em locais ambientalmente sustentáveis, perto de rios, e vegetação.
Nasciam a partir da delimitação de área urbana, de perímetro urbano que detém
normas de ocupação e zoneamento do perímetro urbano. Mas, o que se verifica
atualmente é que as ausências de instrumentos de controle acabam fomentando a
deficiência de regras quanto aos aspectos urbanísticos. Delimitam-se os
perímetros urbanos municipais por um pacto de exclusão social, que nada mais
são do que as regras de convívio do homem no meio onde se instala.
Boa parte da população
está excluída da regular instituição das cidades ambientalmente corretas. Na
prática, após tudo estabelecido, o poder público regulariza generalizadamente
com a instituição das arrecadações tributárias. Em razão dos excessos cometido
pelo poder público ao regularizar, este incentiva sobremaneira a ocupação
irregular do território.
Os altos valores
desproporcionais estabelecidos pelo poder público na cobrança do tributo,
contribui para a problemática social e degradação ambiental, sem considerar a
exclusão de classes menos abastadas da população de ocupantes do solo. Não se verifica
propostas modificadoras, políticas públicas adequadas que melhorem ou
modifiquem o ambiente como um todo de maneira a promover a sustentabilidade e
equilíbrio da biodiversidade natural.
Espera-se que o gestor
público inclua e amplie o perímetro urbano para atender ao diagnóstico da
exclusão social urbanística de maneira equilibrada, atendendo aos requisitos de
zoneamento e proteção ambiental das diferentes classes, atividades e espaços
ocupados, a fim de respeitar o adequado manejo desses locais, sendo de fundamental
importância que se defina os espaços a serem ocupados.
Para tanto, Rech e Rech
explica que o zoneamento urbanístico e a ocupação do solo urbano se pautam pela
fragmentação dos espaços urbanos das cidades procurando manter o equilíbrio das
atividades sociais em compatibilidade com o bem-estar e o convívio social de
seus ocupantes, assim disciplinando o parcelamento dos espaços por suas
peculiaridades e atendendo ao plano diretor que visa, smj, equilibrar o ecossistema, proteger a biodiversidade natural e
promover a sustentabilidade urbana.[13]
Contudo, é sobejamente
necessário compreender as espécies de zoneamento, estejam eles classificados
como ambiental urbanístico ou como ambiental agrário. No zoneamento ambiental puro
se definem os espaços que não podem ser ocupados, Áreas de Proteção Ambiental
(APP), matas ciliares. Diferentemente está o zoneamento ambiental econômico, o
qual define áreas ambientais que podem ser exploradas economicamente. Falamos
aqui de sustentabilidade. Porquanto, qualquer ocupação deve ser ambientalmente
sustentável.
São espécies de
zoneamentos urbanísticos manejados nos espaços urbanos, os quais são definidos
no âmbito do plano diretor: Zonas Residenciais Puras (ZRP), Zonas Residenciais
Mistas (ZRM), Zonas Residências Populares Mistas (ZRPM), Zonas Habitacionais de
Interesse Social (ZHIS). Segundo Silva apud Rech e Rech, “o zoneamento serve
para encontrar lugar para todos os usos essenciais do solo e dos edifícios na
comunidade[...]”[14]
Outros fatores devem igualmente
serem considerados, como mobilidade urbana, acessibilidade, etc. vez que a influência
ocorre em todos os níveis através de adequadas políticas públicas. O
planejamento das cidades sustentáveis demanda conhecimento científico. A
necessidade de cientificidade e conhecimento se mostra efetivamente necessária
para que a ocupação e o planejamento das cidades sejam incrementados no plano
de crescimento destas.
Além do que, a
capacitação dos gestores públicos e a correta destinação dos recursos
provenientes da arrecadação tributária do estado são elementos preponderantes
nos vetores necessários ao adequado planejamento e na aplicação de medidas e
políticas públicas eficientes para ocupação ordenada do solo sem prejudicar o
meio ambiente natural.
5. PLANEJAMENTO
TERRITORIAL, MEIO AMBIENTE E DIRETRIZES DO DIREITO URBANISTICO
É preciso compreender
que para a proteção da biodiversidade e o manejo sustentável, a partir da
ordenada e planejada ocupação territorial, é emergente a necessidade de retirar
a maquiagem que reveste a democracia brasileira. O sistema federativo ancorado
na descentralização de recursos para financiamento das operações está arcaico,
verdadeiramente obsoleto. Repensa-lo é preciso.
Em tempos hodiernos os
municípios passam por uma qualificação de gestão que em nada perdem para as
cidades capitais e, portanto, merecem que a distribuição da arrecadação
tributária lhes seja mais favorável, afim de que a municipalidade possa
desenvolver estudos técnicos eficientes e promover o adequado zoneamento
urbanístico como plataforma de sustentabilidade e proteção ao meio ambiente com
vistas ao bem-estar das pessoas.
Ao contrário do que
muitos indivíduos pensam o meio ambiente equilibrado não está só na Amazônia. Está
em todo o território brasileiro. Em todo o planeta. Se os cuidados voltarem –se
apenas para os biomas existentes na região amazônica, haverá em pouquíssimo
tempo um desequilíbrio irreversível no resto da natureza localizada no coração
das cidades e rincões do Brasil. A priorização das estruturantes ambientais e
com o adequado planejamento da ocupação é diretamente proporcional a forma como
se realiza a distribuição de recursos provenientes das arrecadações de
tributos, vez que deve se manter em propulsor equilíbrio se quiserem que haja
um meio ambiente sustentável e equitativo.
É importante dedicar
especial atenção para a construção dos interesses e direitos fundamentais, os
quais, baseados no liberalismo de Kant, Rousseau e Montesquieu, entre outros,
concluiu-se acerca da necessidade da base ideológica do art. 5º, 6º e 7º da
CF/88, princípios fundados basicamente nas teorias do marxismo e do socialismo.
A despeito da temática central, não se pode olvidar que a discussão de
ideologias permite o alcance da consolidação da instituição dos direitos,
dentre os quais, a proteção do meio ambiente fundada no art. 225 da CF/88. A
problemática é mais profunda, esta ressoa na qualificação da gestão científica
e pública que atrapalha as adequadas medidas de proteção da biodiversidade e
impede a atividade planejada eficiente da sustentabilidade urbanística. Fato é
que ausente competência técnica e gerencial, dificultosa será também a
efetividade dos direitos fundamentais do cidadão.
Uma rápida análise
sobre o sistema democrático presidencialista brasileiro, desnuda-se o
diagnóstico de que a estrutura gerencial pública do estado padece de
ingerências que provocam reflexos negativos diretos no planejamento da ocupação
territorial e na proteção do meio ambiente, dada as prioridades de cada
governante. Com bastante lucidez Cintra esclarece que,
No
presidencialismo, sob as condições do pluripartidarismo congressual, é o
presidente já eleito que busca atrair os partidos no Congresso e compor uma
maioria que lhe dê sustentação. A preservação ou a reconstrução dessa maioria
exige alianças provisórias e variáveis segundo as exigências e os projetos
particulares de governo e, portanto, recomposições muito frequentes de
ministério, o que compromete não só a continuidade, mas também a estabilidade,
a coesão, a coerência e a eficácia das políticas governamentais[...] não há
entre as democracias constitucionais estáveis nenhuma que associe representação
proporcional, pluripartidarismo e presidencialismo[...][15]
Fato é, que cada
governo que assume a gestão administrativa dos programas de governos anteriores
destinados à melhoria e benefício da população, em especial aqueles destinados
a proteção do meio ambiente, tem por objetivo central a reformulação de tais políticas
pública s e programas que sem sombra de dúvida inviabilizam a eficácia e
continuidade de tais ações. Para tanto, basta verificar a ocupação desordenada
dos morros brasileiros, estas são absolutamente irregulares.
Há então evidente segregação
territorial, vez que os governos não procuram atender a equanimidade das
diversas classes sociais, mas tão somente as classes consideradas medianas em
poder aquisitivo e as classes mais abastadas. Qual a solução? Promover a
continuidade coesa das políticas públicas que visem a adequada ocupação
territorial valendo-se das diretrizes de zoneamento urbanístico ambiental, afim
de criar espaços para as classes menos favorecidas economicamente morar e assim,
impedir que ocorra a ocupação desordenada daqueles que se consideram
“esquecidos” pelo poder público.
Não dar continuidade
plena e coesa à programas institucionais de ocupação adequada e regular do
território é fadar ao fracasso qualquer política pública de zoneamento que vise
a proteção ambiental e a sustentabilidade. A mesma argumentação se aplica a
criação demasiada de normas destinadas à regular a ocupação e a proteção da
biodiversidade, posto que, leis que retiram direitos fundamentais, ainda que
subjetivamente, nascem mortas.
Não só pela ausência de
fiscalização, mas também pelo bom senso com que se deve tratar a questão. Somos desiguais por natureza, respeitando a
desigualdade cultural e social das comunidades será possível, ou pelo menos
aceitável que cada um ocupe o espaço ordenado que a si é permitido. Em grossas
palavras, rico não pode morar perto de pobre e vice-versa. Não afirmamos isso
por preconceito, mas por perceber a distância cultural, social e humana
existente entre tais classes econômicas. Extrai-se daí a proeminente
necessidade de mudança nas diretrizes urbanísticas brasileiras.
A despeito da
inconstitucionalidade apontada da lei de parcelamento de solo, ousamos apontar
que o zoneamento ambiental deve ser a plataforma de planejamento do plano
diretor não a lei retro mencionada, vez que é o plano diretor estabelecido em
âmbito municipal que possui autonomia para instituir a localização dos espaços
municipais aptos a ocupação.
A degradação ambiental
está na área urbana, pois a sustentabilidade, a igualdade social e a dignidade
humana sã inerentes a correta e adequada ocupação humana sobre o planeta. Tais
conceitos são construídos sobre um processo de planejamento territorial. As
pessoas que crescem num ambiente ruim, perdem a autoestima e as próprios
objetivos e perspectivas de crescimento.
A necessidade de instituição
de políticas públicas que organizem as cidades e suas ocupações é de
fundamental importância, devendo inclusive ser a prioridade do estado. Nesse
sentido que se verifica a intima ligação entre o homem e o meio ambiente. Para
tanto basta debruçar especial atenção sobre as Zonas Especiais de Interesse
Social (Zeis).
Rech e Rech esclarece
que,
Esse
instrumento, porém, tem sido usado de forma restritiva, apenas como paliativo
na regularização fundiária, quando deveria ser um mecanismo preventivo, de
planejamento e de reserva de espaços em nossas cidades para as classes mais
pobres, possibilitando e multiplicando o surgimento de loteamos populares, quer
por iniciativa do poder público, quer por parte das incorporadoras privadas.[16]
Mas, todavia, não se
pode confundir zoneamento ambiental com zoneamento urbanístico, posto que este
afigura-se como instrumental de manejo da organização dos espaços urbanos a
serem ocupados com a finalidade precípua de controle estatal e uso dos recursos
de maneira sustentável por ocasião da correta ocupação. Ao passo que aquele,
visa a integração da população organizada pelo zoneamento urbanístico com o
meio em que vivem, com a biodiversidade paralela e para o fomento dos fatores
essências a vida de qualidade.
Configuram-se,
portanto, elementos de natureza distintas com finalidade adjacentes,
servindo-se, ambos, para ordenar a ocupação do solo, o adequado aproveitamento
dos recursos naturais e a preservação da biodiversidade. O zoneamento ambiental
encontra ressonância efetiva nas vinte e uma ações previstas nos incisos do
art. 8º, inserido na Lei complementar 140/2011, cuja previsão é de cooperação
entre os entes da federação na proteção ambiental.
6. FISCALIZAÇÃO
DO ZONEAMENTO URBANO E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
A destruição gradual e silenciosa da
biodiversidade, assim como a ocupação desordenada dos espaços territoriais trazem
impactos negativos no contexto social e econômico da nação, cujos aspectos demonstram
a efetiva necessidade de medidas de coordenação e controle de ordem pública e
planejamento estrutural, bem como, o adequado direcionamento dos tentáculos
fiscalizatórios da Administração Pública por qualquer uma de suas agências
regulares, no sentido de lançar mão de medidas eficientes e programas
governamentais aplicáveis e mitigadores da destruição do meio ambiente a fim de
garantir a aplicabilidade das leis e planos de zoneamento incansavelmente
propostos.
Nas palavras de Rech e Rech, o conceito de
meio ambiente deve ser encarado de forma holística, ampla, olvidando-se o
conceito tradicional e ultrapassado dantes estabelecido, segundo estes,
É exatamente essa visão de
ambiente que define como ele deve ser entendido e propicia um planejamento mais
eficiente, que tem por efeito o bem-estar do homem, inclusive o imediato, sem,
com isso, causar prejuízos ao meio ambiente e à própria possibilidade de
continuidade de nossa existência. Essa visão holística auxilia na formação de
um entendimento solido o suficiente para o planejamento e a construção do todo
sem prejuízo das partes, e das partes sem prejuízo do todo.[17]
Na inteligência dos arts. 23, VI, VII e
225 da CRFB/88[18]
encontramos a plataforma originária da razão existencial da Política Nacional
do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), seus fins e mecanismos de aplicabilidade,
bem como a competência estatal para modular sua eficácia, cujo artigo 2º traz
os princípios orientadores necessários a balizar seu revestimento legal.
Seu manejo tem por finalidade preservar, melhorar e
recuperar a qualidade do meio ambiente natural necessário à manutenção da vida,
assegurando, no entanto, adequadas condições ao desenvolvimento socioeconômico
e proteção sistêmica da dignidade da vida humana. A despeito de outros aspectos
relevantes, não menos importantes estão os Princípios da manutenção do
equilíbrio ecológico; Da racionalização dos recursos naturais; Do planejamento
e fiscalização do uso dos recursos ambientais; Da proteção e preservação dos
ecossistemas; Do controle e zoneamento das atividades poluidoras; Do incentivo
à produção científica de proteção dos recursos ambientais; Do monitoramento da
qualidade ambiental; Da recuperação ambiental; Da proteção preventiva; Da
educação ambiental.[19]
Mas efetivamente é necessário mais que legislação,
diretrizes, marcos legais e políticas públicas para a realização eficiente das
ações de proteção e preservação do meio ambiente de forma sustentável, pois
segundo Rech e Rech “ano após ano, se repetem os mesmos problemas decorrentes
de ocupações humanas em locais inadequados ou de forma não sustentável, pois as
soluções sempre foram paliativas, nunca ações cientificamente sustentáveis”.[20]
Não estamos a afirmar que tais instrumentos são
desnecessários a proteção dos espaços ambientais, mas que tais instrumentos
carecem de fiscalização em sua executoriedade, porquanto, leis e diretrizes
operam no plano normativo e, ainda que atuais e efetivas, não são aplicáveis
sem o exercício do poder de polícia do estado para garantir sua eficácia
através de agentes públicos com mentalidade preservacionista.
Para tanto, mostra-se necessária detida análise dos
conceitos de eficiência e sustentabilidade. Desenvolvimento sustentável, meio
ambiente e bem ambiental. Proteção preventiva e poder de polícia. Guardas municipais
e zoneamento ambiental.
Os Princípios que regem a Administração
Pública estão inseridos no art. 37 da CRFB/88 e inserto pela EC 19/98 está o
Princípio da Eficiência o qual segundo Rech e Rech inexiste normativa de
conteúdo aplicável por inteligência dispositiva se a norma não se revestir pelo
manto do princípio da eficiência, pois a almejada segurança jurídica para o
real exercício do desenvolvimento sustentável, o qual é garantidor do
equilíbrio ambiental, se dá pela manutenção dos atos do poder público
praticados com planejamento e cientificidade acerca do objeto nuclear.[21]
Como já dito, é preciso mais que a
existência de imposições normativas para garantir a proteção ambiental dos
espaços territoriais urbanos e rurais, é preciso fiscalizar a normativa que
regula os planos e diretrizes da tutela ambiental e a ocupação das zonas
espaciais de ocupação. Pois, segundo Rech e Rech apud Kant, “de fato, a diversidade das regras necessita de
princípios, mas é exigência da razão que leva ao entendimento cientificamente
correto”[22]
Sendo certo que a adoção de métodos e
instrumentos que assegurem o alcance sistêmico dos objetivos eleitos em
processo científico não é outra coisa senão a materialização do Princípio da
Eficiência, que se afasta da mera liberalidade do gestor público para
apresentar resultados articulados e positivos à sociedade.
O grau de subjetivismo inerente ao
Princípio em comento atrapalha sua real aplicabilidade, conquanto Rech e Rech
afirma que “[...]muito pouco temos avançado nesse sentido, e a ineficiência é
notícia todos os dias”.[23]
Na presente sugestão de pesquisa se
vislumbra a possibilidade de manejo das guardas municipais brasileiras, cuja
premissa basilar é a proteção preventiva da sociedade como ferramenta de
proteção dos espaços ambientais e da fiscalização da ocupação ordenada do
território nos termos do art. 5º, VII, X e XII da Lei nº 13.022/2014[24], cujo
Caput dispõe sobre as competências específicas dessas instituições de caráter
civil e preventivo, com vista a proteção do patrimônio ambiental do município
adotando medidas educativas e preventivas na aplicação dos planos operacionais
das políticas públicas e a fiscalização, inclusive em parceria com outros
órgãos do Estado para tornar efetiva a adequada utilização dos programas
governamentais de zoneamento ambiental em consonância com o plano diretor
visando a proteção e preservação do meio ambiente, sem necessariamente, adotar
as instrumentais de repressividade e punição do agente causador do dano.
REFERÊNCIAS
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Agência Nacional de Águas. Conjuntura
dos recursos hídricos no Brasil - Encarte Especial sobre a Crise Hídrica.
2014. Disponível em: <http://conjuntura.ana.gov.br/docs/crisehidrica.pdf>.
Acesso em: 5 abr. 2016.
COULANGES,
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Étude sur Le Culte, Le Droit, Les Institutions de la Grèce et de Rome. Paris:
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RECH,
Adir Ubaldo; RECH, Adivandro. Zoneamento ambiental como plataforma de
planejamento de sustentabilidade: Instrumentos de uma gestão
ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento sustentável. Caxias do
Sul: EDUCS, 2012. p. 23.
CHIUVITE,
Telma Bartholomeu Silva. Direito
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CINTRA,
Antônio Otavio. O sistema eleitoral
alemão como modelo para a reforma do sistema eleitoral brasileiro. Distrito
Federal: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2000. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/arquivos-pdf/pdf/007234.pdf
Acesso em: 26/04/2016
SOUZA,
Aulus Eduardo Teixeira de. Guarda
Municipal e a responsabilidade dos municípios pela segurança pública.
Curitiba: Juruá, 2015.
SILVA,
Anderson Costa e; ARAÚJO, Edgar Luiz de (Org.). Direito Ambiental -
Temas Polêmicos. Curitiba: Juruá, 2015. 118 p.
[1]
Mestrando em Direito. Pós-graduando em Direito Tributário, Constitucional e
Administrativo. Pós-graduado em Docência Superior. Advogado. Escritor. Oficial
da Reserva das Forças Armadas. Diretor Presidente da Phoenix – Desenvolvimento
de Estudos Técnicos Avançados.
[2]
RECH, Adir Ubaldo; RECH,
Adivandro. Zoneamento
ambiental como plataforma de planejamento de sustentabilidade: Instrumentos
de uma gestão ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento
sustentável. Caxias do Sul: EDUCS, 2012. p. 23.
[3]
Ibid., p. 43.
[4]
COULANGES, Numa Denis Fustel. La Cité Antique - Étude sur Le Culte, Le
Droit, Les Institutions de la Grèce et de Rome. Paris: Hachette, 1864.Trad.
Frederico Ozanam Pessoa de Barros. E-book: Libris, 2006.
[5] RECH, Adir Ubaldo. A inconstitucionalidade do parcelamento de solo no Brasil. Rio Grande
do Sul. Artigo científico – Universidade Caxias do Sul, 2016. p. 11.
[6] BRASIL. CRFB, 1988. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para
assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar
e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei,
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra
ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V -
controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI -
promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
[7]
RECH, Adir Ubaldo; RECH,
Adivandro. Zoneamento
ambiental como plataforma de planejamento de sustentabilidade: Instrumentos
de uma gestão ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento
sustentável. Caxias do Sul: EDUCS, 2012. p. 9.
[8] Trecho do voto do Ministro Nelson Jobim
no Recurso Extraordinário nº 193.749-1.
[9] BRASIL. Lei Federal nº 10.257, 2001. Estatuto da Cidade. Art. 2º Art. 2o
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais: [...]VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:[...]c) o parcelamento do solo, a
edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura
urbana;[...]g) a poluição e a degradação ambiental [...] VIII – adoção de
padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis
com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e
do território sob sua área de influência
[...] XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
[10]
CHIUVITE, Telma Bartholomeu Silva.
Direito ambiental. São Paulo: Barros,
Fischer e associados, 2010, p. 35.
[11]
RECH, Adir Ubaldo; RECH,
Adivandro. Zoneamento
ambiental como plataforma de planejamento de sustentabilidade: Instrumentos
de uma gestão ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento
sustentável. Caxias do Sul: EDUCS, 2012. p. 18.
[12] Ibid., p. 19.
[13] Ibid., p. 171.
[14]
SILVA apud RECH, Adir Ubaldo; RECH, Adivandro. Zoneamento ambiental como plataforma de
planejamento de sustentabilidade: Instrumentos de uma gestão
ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento sustentável. Caxias do
Sul: EDUCS, 2012. p. 171.
[15] CINTRA, Antônio Otavio. O sistema eleitoral alemão como modelo para
a reforma do sistema eleitoral brasileiro. Distrito Federal: Biblioteca
Digital da Câmara dos Deputados. 2000, p.11.
[16] RECH, Adir Ubaldo; RECH, Adivandro. Zoneamento ambiental como plataforma de
planejamento de sustentabilidade: Instrumentos de uma gestão
ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento sustentável. Caxias do
Sul: EDUCS, 2012. p. 185.
[17] Ibid.,p. 71.
[18] BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil, 1988. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios: [...]VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas; VII -
preservar as florestas, a fauna e a flora;
______. Art. 225. Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
[19] BRASIL. Lei Federal nº 6.938, 1981. Art. 2º
[...] I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,
considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente
assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II -
racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III - planejamento
e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas,
com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das
atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à
pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos
recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de
degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a
educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na
defesa do meio ambiente.
[20] RECH, Adir Ubaldo; RECH, Adivandro. Zoneamento ambiental como plataforma de
planejamento de sustentabilidade: Instrumentos de uma gestão
ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento sustentável. Caxias do
Sul: EDUCS, 2012, p. 49.
[21] Ibid. p. 50.
[22] Ibid. p. 50 apud KANT, Immanuel. Crítica
da razão pura. Trad. De Manoela Pinto dos Santos. 4. ed. Lisboa: Coimbra,
1997. p. 302.
[23] Ibid. p. 53.
[24] BRASIL. Lei Federal nº 13.022, 2014. (Estatuto
geral das Guardas Municipais). Art. 5o São competências
específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos
federais e estaduais: [...] VII - proteger o patrimônio ecológico, histórico,
cultural, arquitetônico e ambiental do Município, inclusive adotando medidas
educativas e preventivas; [...] X - estabelecer parcerias com os órgãos
estaduais e da União, ou de Municípios vizinhos, por meio da celebração de
convênios ou consórcios, com vistas ao desenvolvimento de ações preventivas
integradas; [...] XII - integrar-se com os demais órgãos de poder de
polícia administrativa, visando a contribuir para a normatização e a
fiscalização das posturas e ordenamento urbano municipal;